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Formação

Professoras discutem relação entre mulher e educação

Naturalização de perfil “cuidador” da mulher se reflete em sua presença no ensino, que possui diferenças significativas entre os níveis básico e superior

Publicado em 08/03/2022

por Gustavo Lima

mulher na educação

Celebrado nesta terça-feira, 8 de março, o Dia Internacional da Mulher é uma boa oportunidade para reflexões sobre igualdade de gênero e lutas feministas, Dentre elas, entender a relação entre mulher e educação como destaca a professora da Faculdade de Educação da USP, Marcia Gobbi. 

Leia: Cientista inspira outras mulheres a perseguirem vocação na área

Quando o assunto é educação básica, as mulheres são uma maioria esmagadora. Segundo dados do MEC, representam 96,4% na educação infantil, 88,1% nos anos iniciais do fundamental e 66,8% em seus anos finais. Além de 57,8% do total de docentes no ensino médio. Já no ensino superior, mulheres são 72,8% dos estudantes e caminham para uma igualdade na docência, somando 46,8% dos professores universitários. Para Gobbi, isso não se dá por predestinação.

Marcia - Foto FE USP
Marcia Gobbi, professora na Faculdade de Educação da USP

A docente enfatiza a existência de uma construção cultural em que foram forjadas, ao longo de décadas, ideias de que a mulher possui certa inclinação aos cuidados com outras pessoas. Marcia, no entanto, salienta que não se trata de um determinismo biológico. “É importante sublinhar isso, pois remete ao pensamento de que, por tais feitos, não somos profissionais e, portanto, não carecemos de salários compatíveis com nossa formação e atuação”, diz.

“Lugar da mulher na educação não se dá por predestinação”

Ao mencionar a desigualdade salarial no mercado, a professora parafraseia a escritora e filósofa Silvia Federici: “Sobretudo na educação básica, é um trabalho que, embora remeta a afeto e amor, não se trata apenas de amor e paixão. Isso também é trabalho não pago, ou mal pago, nesse caso específico”, afirma. “A opressão feminina, da qual o capital se beneficia e com a qual se reproduz, alastra-se também à docência. Esse cenário repercute na existência da maioria de mulheres na educação básica, ou seja, há uma combinação entre baixos salários e a naturalização da propensão aos cuidados”, completa.

Representatividade

Coordenadora pedagógica da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) José Pedro Leite Cordeiro, em SP, Margarida de Sousa Barbosa atribui tais ideias, bem como a feminilização da profissão, à desvalorização do trabalho docente. A profissional, que trabalhou durante 20 anos como professora na educação infantil, conta sobre as desigualdades notadas por ela. “Percebi que os homens que ocupavam esse lugar eram desvalorizados por estarem atuando em uma profissão ‘feminina’. Questionavam suas capacidades e, inclusive, sua orientação sexual. Por vezes as famílias se mostraram desconfortáveis ao terem suas crianças sob cuidado e orientação de um professor”, explica. Contudo, a perspectiva muda quando se trata dos cargos de gestão. 

“Os homens são tratados de maneira diferente, como se fosse ‘natural’ estarem alí. Percebo também que muitos professores buscam logo esses cargos em sua carreira, ou são os primeiros a serem indicados, enquanto que grande parte das professoras que ficam em sala de aula, se recusam ou não acham que são competentes para isso”

Essa diferença no olhar para diferentes posições dentro da área também é apontada por Patricia Rossi Torralba Horta, professora no Instituto Singularidades.

Patricia - Foto Acervo Instituto Singularidades
Patricia Horta, professora no Instituto Singularidades

Baixa representatividade na reitoria

Entre mais de 2000 instituições de ensino, não se acha nenhuma mulher negra como reitora. “Não se acha, simplesmente porque não existe”, afirma o professor José Vicente, reitor da Unipalmares, a única representativa nesse sentido. Mas as mulheres querem e cada vez mais se preparam para alcançar a reitoria.

As reitoras de instituições de ensino privado são geralmente eleitas, para além de suas competências, pela linha de sucessão familiar. Segundo apuração da redação, percebe-se que a ocupação desse lugar por mulheres, acontece principalmente nas IES cujos negócios são de família, invariavelmente branca e onde a rotatividade do cargo é baixa. Além disso, cada instituição estabelece seu período para novas eleições, fatores que podem dificultar um levantamento durável e preciso sobre quantas ocupam a reitoria no setor privado.

Ao falar sobre o papel feminino no ensino superior, Horta reflete sobre a conduta atribuída à mulher ao longo dos anos. “A figura da mulher é muito interessante enquanto aprendente porque, muitas vezes, a figura da boa aluna funciona até o fundamental 2 e, depois, a mulher vai ver que esse papel tão cordato, obediente e pouco investigativo não será valorizado”, aponta. A doutora em educação acredita na necessidade de romper com muitas dessas marcas. “Enquanto a escola ficou muito voltada à cópia, ao estudo mais obediente e pouco questionador, as mulheres até uma certa etapa se dão bem. Mais tarde, quando precisamos aprender a problematizar, duvidar e questionar, para muitas mulheres isso já ficou muito marcado e difícil de desconstruir. Talvez seja por isso que poucas depois percebam o desejo de atuar também na faculdade”, complementa.

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Gustavo Lima


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