Linguagem usada nas ferramentas digitais ganha espaço na academia e isso não quer dizer que esteja errado, afinal, a função da língua é comunicar de forma clara e eficiente
Foto: Wac linguagem ComunicarNo meu último artigo, abordei o tema do desenvolvimento de habilidades de comunicação oral e escrita nos nossos alunos e de como a metodologia do WAC, Writing Across The Curriculum, contribui para isso, quando a IES valoriza essas habilidades como precursoras de todas as outras. Para continuar essa conversa, vamos tentar entender um pouco mais sobre o assunto partindo da relevância e do valor dessas habilidades.
A língua é a identidade de um povo, de uma nação. Por meio da língua, você se percebe e percebe o outro; entende as relações entre tudo e todos e faz escolhas a partir desse entendimento.
Entretanto, dominar uma língua não se resume a somente dominar suas regras gramaticais, como a maioria pressupõe, ainda que sejam elas a bússola para a adequação da linguagem em determinados contextos.
Com isso o que se percebe hoje é que as variações da linguagem estão ficando cada vez mais distantes dos contextos formais, e a informalidade e o descaso para com a norma vem sendo reforçados nas escolas, uma vez que o ensino da língua e o seu uso ganharam distância desproporcional.
Cometer certos deslizes na escrita, principalmente quanto à ortografia, por exemplo, quanto à troca de um s ou z, ou quanto ao uso de um verbo que deveria estar no plural e se apresenta no singular, não é o mais grave em relação ao domínio da gramática. O problema se destaca quando o texto não faz sentido. Não há logica no pensamento que foi transcrito e não se pode inferir significado ao que se quis dizer. A falta de pontuação, que é inerente ao estudo da gramática, pode gerar sérios problemas de interpretação. E, consequentemente, de comunicação.
Certamente, a universidade deve reforçar o ensino da língua como nosso principal mecanismo de comunicação para alcançarmos diferentes objetivos. A linguagem nos conecta com o outro e com o mundo. Mesmo que o momento atual tenha inserido um novo repertório ao nosso falar, e o vocabulário seja variável, a lógica textual permanece.
Então, por meio da língua, o indivíduo se apropria de variados conhecimentos, de diferentes leituras, elabora argumentos mais convincentes e persuasivos, domina e controla seu interlocutor.
A competência da comunicação expressa nosso nível de domínio sobre o que falamos, como falamos, por que e para que falamos. E ela se estende ao que escrevemos, como escrevemos, por que e para que escrevemos. Além disso, a comunicação eficiente é uma das competências mais exigidas no mercado de trabalho ou em qualquer outro contexto laboral nos dias de hoje e não se excluem das chamadas competências do futuro.
Como já dito anteriormente, estudar a gramática de uma língua não significa apenas internalizar suas regras, mas compreender os contextos em que serão usadas. E a gramática não é a única fonte para se ensinar a língua nas escolas, mas, associada à semântica, torna-se poderosa arma contra a ignorância.
Com toda a certeza, a linguagem hoje usada nas ferramentas digitais está ganhando espaço na linguagem acadêmica, mesmo porque hoje muitos docentes também já não dominam a norma culta da língua que fala.
A confusão que renomados comunicadores fazem entre os significados das expressões “de encontro a” e “ao encontro de”, “em vez de” e “ao invés de”, sem falar na expressão “a nível de”, que não quer dizer nada e se transformou em um modismo desnecessário, são mínimos exemplos de interpretações malsucedidas ou de invenções que passam despercebidas (e não “desapercebidas”) entre os falantes.
Então, qual é o papel da escola, quando ensina uma língua que já vem internalizada desde que balbuciamos as primeiras palavras? O ensino sistemático da língua estimula e desenvolve os processos mentais da criança, o que lhe irá proporcionar habilidades que lhe permitirão comunicar-se com mais eficácia. E ensinar a língua a um adulto é fazê-lo compreender o quanto ela é versátil, crítica, compreensiva, analítica, criativa e, até mesmo, violenta.
Como uma IES pode garantir que seus alunos tenham a oportunidade frequente e significativa de escrever, revisar e discutir sua redação em suas aulas, de modo que se sintam estimulados a investigar mais, a produzir mais e a se tornar porta-vozes de um discurso coeso, coerente, lógico e consistente ao longo de seu percurso acadêmico?
Em primeiro lugar, a IES precisa se concentrar nos seus docentes e fornecer-lhes recursos e treinamentos que qualifiquem a quantidade da escrita nos cursos em que ministram suas aulas. Promover a instrução e a educação da redação em todos os contextos para professores, com o fim de impactar a produção escrita dos discentes, de maneira significativa e inclusiva. Em seguida, com os discentes, proporcionar-lhes os momentos em que o domínio cada vez mais significativo da linguagem e o do desenvolvimento de suas habilidades comunicativas vão atribuir-lhes mais valor e consciência da realidade a sua volta. Sem dúvida, uma escrita mais rica e profissional irá fornecer-lhe maior espaço para um diálogo interdisciplinar, personalizado, geral ou específico.
Aliás, um programa WAC apoia o progresso e o sucesso dos alunos porque aprimora sua capacidade de redigir e falar com propriedade em gêneros específicos de textos de suas disciplinas e área profissional.
Entretanto, independentemente de se instituir um programa WAC ou não, é responsabilidade da universidade desenvolver no aluno habilidades orais e escritas, por meio de educação inclusiva, com as melhores práticas de ensino e avaliação, a fim de atender suas metas de aprendizagem.
Como sou da área de comunicação, sugiro que se possa ouvir os alunos como ponto essencial para ajudá-los a crescer como escritores. Afinal os alunos precisam de orientação para resolver seus problemas, não de respostas prontas.
Por que não assumir o compromisso de apoiar o ensino e a aprendizagem da escrita em todas as disciplinas do campus?
Portanto, por que não pensar uma forma de engajar alunos de graduação e pós-graduação numa proposta de sucesso científico?
Que possamos reconhecer que a escrita é parte fundamental da criação de conhecimento e de comunicação em todas as áreas do saber.
Por: Ana Valéria Reis | 16/11/2021