NOTÍCIA
Os cursos de licenciatura passam da atual duração de três para quatro anos. Prática pedagógica corresponderá a um quarto do curso
Publicado em 08/04/2020
A entrada em vigor das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica coloca a reformulação dos cursos de Pedagogia e Licenciatura na ordem do dia das instituições de ensino superior de todo o Brasil. Após um longo período de discussões, uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), publicada no final de dezembro, apresenta instruções e normas para a atualização e organização curricular dos cursos superiores de formação docente. O texto ainda institui a Base Nacional Comum para a Formação dos Professores da Educação Básica (BCN-Formação), que elenca as competências básicas que os futuros professores devem possuir ao final do seu percurso de formação.
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Com as medidas previstas no documento, o Ministério da Educação (MEC) pretende melhorar a preparação dos futuros docentes de forma que estes possam deter o conhecimento, as competências e as habilidades mínimas esperadas para o exercício da profissão e o atendimento dos objetivos educacionais explicitados na Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica (BNCC), e, com isso, aumentar a qualidade do ensino no país.
Segundo Mozart Ramos Neves, relator da proposta das novas DCNs no CNE e titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da Universidade de São Paulo, o documento buscou assegurar parâmetros importantes para a melhoria da qualidade da formação dos professores no Brasil. “Procuramos extrair o melhor das discussões com cada segmento para que se pudesse ter uma resolução que avançasse na promoção da qualidade (da formação docente), principalmente, com foco na prática profissional. Agora cabe ao Ministério da Educação, que tem a responsabilidade da coordenação da política nacional tanto da educação básica quanto do ensino superior, criar mecanismos para colocar em prática o que está posto na resolução”, afirma.
As universidades e instituições de ensino públicas e privadas terão até 2022 para adequar a grade curricular dos cursos de Pedagogia e demais licenciaturas, com exceção daquelas que haviam implementado as mudanças curriculares propostas pelas DCNs de 2015. Estas terão três anos para realizar as alterações relativas às novas diretrizes.
A seguir, destacamos os principais pontos da resolução e seus impactos para as instituições de ensino superior.
Além da necessidade de alinhar as grades curriculares com a BNCC, uma das principais preocupações que dirigiram os trabalhos de construção das novas DCNs foi a de superar o predomínio dos fundamentos teóricos.
Assim, a organização do currículo das licenciaturas, mesmo com a manutenção da carga horária básica de 3.200 horas, passou a dar mais espaço para atividades da prática docente e aos saberes pedagógicos específicos que os futuros professores terão de ensinar. O documento orienta a divisão da grade curricular em três grandes grupos (veja ao lado), que devem levar em conta a integração das três dimensões das competências profissionais docentes – conhecimento, prática e engajamento profissionais – previstas na BCN-Formação, como ponto de organização do currículo e dos conteúdos.
De acordo com Denise Campos, vice-presidente acadêmica do Grupo Ânima Educação, as mudanças que as novas DCNs trazem aos cursos de licenciaturas são bem-vindas, mas necessitam vir acompanhadas de políticas públicas que valorizem a carreira do magistério. Ela também que espera que o governo adote medidas efetivas para melhorar o contexto de atuação do professor na educação básica.
Além de um maior enfoque na prática, a proposta das DCNs de envolver mais as escolas na formação do professor é algo bastante positivo, segundo Cristina Nogueira Barelli, coordenadora do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades. Para ela, “as diretrizes trazem algo muito importante, que é a corresponsabilidade das instituições de educação básica que recebem esses estudantes, futuros professores. É importante que haja esse envolvimento tanto por parte das IES quanto das escolas de educação básica, principalmente no que diz respeito ao estágio, para que este não seja meramente o cumprimento de uma carga obrigatória”.
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“Embora a proposta de estruturação dos cursos de licenciatura me pareça ser, em geral, adequada, apesar de muito tradicional, essa divisão de uma carga específica para os conteúdos da educação infantil e outra para as séries iniciais do ensino fundamental me causa um pouco de estranheza por remeter a um conceito muito parecido com o do Normal Superior, do início dos anos 2000”, diz Arthur Fonseca Filho, diretor da Associação Brasileira de Escolas Particulares (ABEPAR) e ex-membro do CNE, ao comentar a indicação de uma carga específica de 1.600 horas para atender à formação dos docentes da educação infantil e outra para a das séries iniciais do ensino fundamental. “A resolução não deixa claro se essa formação poderá ser eliminada ou feita fora dos cursos de Pedagogia.”
Com mais da metade da oferta de formação de professores no Brasil, segundo o último Censo da Educação Superior, os cursos a distância estiveram no centro das discussões que precederam a elaboração das novas DCN. Para que os alunos destes programas tenham mais atividades de prática docente, eles terão, além das tradicionais 400 horas vinculadas ao estágio supervisionado, outras 400 horas de atividades práticas presenciais e obrigatórias a serem desenvolvidas ao longo do curso.
“Houve uma preocupação, não somente do CNE, mas também de diferentes setores da educação, de assegurar 800 horas da parte prática in loco para que os alunos desenvolvam determinadas competências e coloquem em prática alguns conceitos que aprendem na teoria”, explica Neves.
Na opinião de Ivan Gontijo Akerman, coordenador de projetos do Todos Pela Educação, essa medida pode representar um avanço para a qualidade da formação prática dos docentes. “Antes do documento não era claro o quanto você podia usar de EAD na formação de professores. Então havia cursos que, por exemplo, funcionavam praticamente 100% a distância. O texto da resolução é muito mais claro ao apontar que pelo menos 25% da carga horária desses cursos – que é um percentual bastante razoável – deve ser presencial, valorizando a formação prática do professor.”
A carga horária mínima dos cursos para estudantes já licenciados passou de 1.200 horas (com possibilidade de aproveitamento de 400 horas) para 760 horas (com aproveitamento de até 200 horas). A medida levou em consideração o seguinte fato apontado no Censo da Educação Superior: cerca de 25% dos professores dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio lecionam em disciplinas diferentes daquelas para as quais são habilitados, oferecendo uma opção de formação mais centrada nos conhecimentos e práticas pedagógicas específicas – são no mínimo 560 horas de aprofundamento dos conhecimentos e 200 horas de prática pedagógica.
No caso de segunda formação na mesma área, a carga horária mínima passou a ser de 560 horas, sendo 360 horas de aprofundamento dos conhecimentos, se o curso corresponder à mesma área da formação original, e 200 horas para a prática.
A chamada complementação pedagógica para portadores de diploma do ensino superior não licenciados passou de 1.400 horas (com possibilidade de aproveitamento de 400 horas) para 760 horas, sem possibilidade de aproveitamento. Dessas 760 horas, 360 se destinam ao desenvolvimento das competências profissionais de docência e 400 horas para atividades práticas pedagógicas na área de formação.
Os cursos de graduação em Pedagogia voltados para a formação de profissionais da gestão escolar (administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional) na educação básica devem possuir uma carga horária adicional de 400 horas para o aprofundamento desses estudos. Assim, a carga horária mínima do curso de Pedagogia com habilitação em Gestão Escolar passa a ser de 3.600 horas.
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A resolução não traz diretrizes específicas para as licenciaturas voltadas para a docência nessas áreas, sendo necessário observar as orientações gerais presentes no documento e as diretrizes específicas do CNE já existentes para cada modalidade.
Para acompanhar e verificar a evolução da qualidade da formação docente, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) deverá elaborar dois exames: um para avaliar in loco os cursos de licenciatura e outro para avaliar a aprendizagem dos estudantes. Seria uma reformulação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) voltada para os futuros docentes em formação.
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