NOTÍCIA
Estudo aponta que pesquisadores em início de carreira sentem dificuldade para integrar o campo acadêmico internacional. As instituições de ensino superior, contudo, podem combater o problema
Publicado em 04/03/2020
Por Marlon Dalmoro (Universidade do Vale do Taquari), Marcia Christina Ferreira (Brunel University London), Bernardo Figueiredo (RMIT University) e Daiane Scaraboto (University of Melbourne)
Uma das principais transformações no cotidiano do fazer universitário tem sido a crescente busca pela internacionalização da carreira de pesquisador. Isso se materializa na demanda por parte das universidades por publicações em periódicos internacionais, participação em eventos e associações científicas internacionais, parcerias e colaboração em projetos de pesquisa com pesquisadores lotados em instituições de ensino no exterior. Esse fenômeno afeta de forma positiva e negativa a carreira de pesquisadores nos diferentes cantos do mundo, em especial pesquisadores em início de carreira que ainda não estão integrados numa comunidade internacional.
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Os primeiros passos internacionais de um pesquisador podem determinar a sua capacidade de criar e sustentar relações produtivas em um campo acadêmico globalizado, ou seja, marcado por parâmetros universais de gestão e avaliação universitários e uma intensificação da circulação de pesquisadores, informação, métodos e publicações com um caráter global. A inserção, contudo, em campos de pesquisa globalizados tende a ser acompanhada de uma percepção de falta de capacidade para tal tarefa, que muitas vezes pode gerar uma sensação de isolamento.
O isolamento dos pesquisadores em início de carreira foi explorado em uma pesquisa recém-publicada no periódico Academy of Management Learning & Education – AMLE. Publicada pela Academy of Management, o AMLE é a principal publicação internacional com foco na educação de administradores. Durante quatro anos, buscamos refletir sobre suas tentativas de integração do pesquisador num campo acadêmico internacional e observamos que, mesmo vivenciando diferentes realidades – países centrais e periféricos, universidades com maior ou menor foco em pesquisa –, todos compartilhavam a sensação de isolamento.
A sensação de isolamento se diferencia de solidão, ou seja, não consiste em se sentir sozinho num determinado campo de pesquisa, mas sim numa percepção involuntária de separação em relação a um campo de pesquisa internacional ao qual o pesquisador deseja pertencer e participar.
O isolamento pode impactar no bem-estar do pesquisador e pode ser experienciado em diferentes formas: (1) geográfico, quando o pesquisador se sente fisicamente distante dos centros de pesquisa e pesquisadores do seu campo de pesquisa; (2) cultural, em situações em que o pesquisador sente não compreender as normas, valores e códigos compartilhados dentro do campo de pesquisa; (3) relacional, diante da ausência de conexões pessoais ou profissionais com outros profissionais do campo, e (4) técnico, quando os pesquisadores sentem que não têm conhecimento e capacidade técnica para participar dos debates globais do seu campo de pesquisa ou publicar nos principais periódicos.
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Todos os participantes do estudo reportaram lidar com ao menos uma dessas formas de isolamento e, na medida em que buscam carreiras mais internacionais, percebem aumento na competição com outros colegas e, consequentemente, se sentem ainda mais afetados pelo isolamento. O isolamento acadêmico pode ter um profundo efeito negativo na progressão da carreira dos pesquisadores, na satisfação com o emprego e no relacionamento com os pares em determinado campo acadêmico.
O estudo aponta, contudo, que as universidades podem atuar na redução do isolamento dos pesquisadores em início de carreira por meio de práticas de governança capazes de valorizar a diversidade dos campos de pesquisa, respeitando a identidade de cada pesquisador, bem como institucionalizar um etos de aceitação dos pesquisadores. Algumas ações relativamente simples que podem ser implementadas envolvem, por exemplo, oferecer seminários e workshops para os pesquisadores que ingressam na instituição, visando a fomentar redes de contato entre os colegas de diferentes áreas. Fomento a intercâmbios docentes e estímulo para receber pesquisadores visitantes também são estratégias capazes de suportar e valorizar as identidades dos pesquisadores e sua interlocução com os seus pares.
Algumas universidades têm levado a sério os esforços de mitigar o isolamento dos pesquisadores em início de carreira por meio de iniciativas capazes de incluir essas estratégias na política de recursos humanos. Nesse sentido, as ações mais comuns consistem em oferecer cursos de escrita científica em inglês, incentivos para participação em eventos internacionais e momentos de integração de pesquisadores de início de carreira dos diferentes departamentos da instituição. Além disso, as universidades podem suportar os pesquisadores na organização de congressos e estimular a participação dos pesquisadores em comunidades científicas internacionais, especialmente em funções de liderança.
Essas estratégias fazem com que os pesquisadores se sintam mais empoderados e, consequentemente, menos isolados. As universidades podem se transformar em espaços de inclusão e suporte coletivo aos pesquisadores, ao invés de núcleos de isolamento e de competitividade individual. Reconhecer que pesquisadores em início de carreira se deparam com um sentimento de isolamento não só dentro da universidade, mas também nos seus campos de pesquisa, pode ser o primeiro passo para apoiar os pesquisadores na construção de uma carreira internacional.
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