NOTÍCIA
Novo governo desiste de tirar ensino superior do MEC. No entanto, ex-ministros da Educação argumentam que não seria uma mudança negativa
Publicado em 11/12/2018
Em início ou meio de governo, reformas ministeriais sempre representam potentes índices de rumo ou inflexões, sejam as mudanças administrativas ou de nomes. No mínimo, são tentativas de simbolizar alguma coisa. No caso atual, desde a campanha o governo prometeu reduzir drasticamente o número de ministérios, como a indicar zelo pelo dinheiro público.
Na área de educação, no entanto, o intuito era o de provocar um deslocamento do ensino superior para a área de ciência e tecnologia, desenho existente em muitos países pela vinculação entre pesquisa de ponta e universidades. Como muitas outras coisas, a proposta ficou pelo caminho.
A ideia passa longe de ser nova e poderia fazer sentido, desde que levada a cabo com critérios e objetivos claros. Um de seus principais defensores é o ex-ministro da Educação Cristovam Buarque.
O senador, cujo mandato pelo PPS no Distrito Federal expirou em 2018, apresentou projeto de lei em 2009 para efetivar a mudança, mas a iniciativa não foi à frente.
No caso de Buarque, o pleito tem como origem a educação básica. “Defendo que o Ministério da Educação se comprometa com a educação de base, que seja o Ministério da Educação de Base”, diz. Para o ex-senador, o próprio ensino superior é vítima da má formação a que estão relegados os estudantes brasileiros. “Não há como ter um bom ensino universitário se os alunos entram despreparados, sem escrever, sem falar inglês, sem saber geografia. Aumentamos o número de alunos, mas fracassamos. O que prosperou foi a visão da escala social, não do progresso”, analisa.
Mozart Neves Ramos, diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, concorda com o foco na educação básica. Alvo de grande rebuliço no período da composição do ministério, quando chegou a ser noticiada sua indicação ao cargo, Ramos acredita que o tema é complexo em função de aspectos como a formação de professores, que pressupõe atuação conjunta da educação básica e ensino superior.
“Porém, olhando o desafio da educação básica e a necessidade de termos um ministro comprometido com resultados, principalmente na alfabetização das crianças, acho importante deixar o MEC mais leve. Hoje, o ministério é um cargueiro e o ministro é muito consumido pelo ensino superior”, diz Ramos.
Um dos problemas mais delicados é que a integração entre os dois níveis educacionais é quase inexistente. “As agendas são muito diferentes. Nas discussões da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as universidades não se envolveram em nada. Hoje, ninguém nas universidades sabe responder quais são as 10 competências da Base”, adverte.
A divisão também poderia deixar mais clara para a sociedade a questão orçamentária. Ramos lembra que o custo médio dos alunos do ensino superior é de R$23 mil/ano, contra R$6 mil/ano na educação básica. “E há dez anos essa diferença era maior”, frisa.
Para Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação de Dilma Rousseff (PT), não se pode dizer que a separação em si seja boa ou ruim. Dependeria de que medidas a acompanhassem. Do ponto de vista prático, seria temerária neste momento pois, além de restrições orçamentárias que não garantem nem o pagamento das bolsas do CNPq durante todo o exercício no ano que vem, a mudança significaria levar ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) não só os cerca de 300 mil mestrandos e doutorandos, mas também todas as universidades federais, as particulares e os 8 milhões de alunos do sistema, acompanhados de todo o processo regulatório hoje feito pelo MEC.
“A pesquisa deve ter mais foco na qualidade do que na escala. Com essa mudança, seria difícil verificar os padrões de qualidade”, diz o ex-ministro em referência à Capes, fundação vinculada ao MEC que avalia a pós-graduação. “Tudo isso, incluindo a nova Capes, dedicada à formação de professores da educação básica, foi concebido para que as partes fossem integradas”, lembra Janine.
Preocupação similar tem o presidente e fundador do Grupo Educacional Cruzeiro do Sul, Hermes Figueiredo. Para ele, o MEC, apesar de seus problemas, como a inconstância das políticas, tem pessoal com expertise para cuidar de todo o sistema regulatório. “O pessoal conhece o histórico das leis, trâmites etc. Se houvesse a mudança, poderia haver um hiato de um ano. Para nós, melhor seria se apenas as federais e os centros tecnológicos, as instituições que fazem pesquisa, fossem para o MCTIC. O MEC ficaria com as particulares”, sugere.
Hoje, estão na alçada do MEC as mais de 2,4 mil instituições de ensino superior, com mais de 40 mil cursos e 23 mil polos de educação a distância.
Com experiência de chefiar as duas áreas nos âmbitos federal e estadual, o físico José Goldemberg acredita que a questão da vinculação administrativa é irrelevante. Mas duas coisas são essenciais: a distribuição dos recursos e a vinculação da pesquisa ao sistema produtivo. No caso dos recursos, cerca de 2/3 do orçamento do MEC hoje são destinados ao ensino superior. Com a mudança, a tendência seria de o dinheiro também migrar.
Quanto à aproximação com empresas, Goldemberg avalia como muito positiva, mas diz que exigiria uma coordenação com outras áreas. “Há muita pesquisa em outros ministérios, como o da Agricultura, que não está nas universidades ou centros tecnológicos.” Seria necessária a aproximação para potencializar verbas e resultados.
Como modelo ideal, o ex-reitor da USP cita os Estados Unidos. “O corpo docente de Harvard e MIT é relativamente pequeno. Há muitos laboratórios mantidos por clientes externos, com pesquisadores que não são professores trabalhando em regimes diferenciados. Aqui, a vinculação entre ensino, pesquisa e extensão traz muita restrição.”
Não é só o Brasil que cogitou mudanças com relação à vinculação administrativa do ensino superior. Argentina, Chile, Portugal e Espanha também modificaram sua estrutura nos últimos tempos.
A mais recente foi realizada pela Argentina, onde há dois meses os Ministérios da Ciência e Tecnologia e o da Cultura foram transformados em secretarias vinculadas ao Ministério da Educação. Assim, formou-se o Ministério da Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia. A estratégia do ensino superior, no entanto, continua sendo ditada pelo mesmo órgão, a Secretaria de Política Universitária (SPU).
Já em Portugal, houve diversas idas e vindas nas duas últimas décadas. Na última, em 2015, voltou a constituir-se o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Para a deputada Margarida Mano, educadora que chegou a ser ministra da Educação em breve mandato-tampão, não faz sentido que ensino superior e ciência e tecnologia estejam separados. “As universidades são as instituições em que estão os recursos e as pessoas que trabalham em inovação e ciência. E a pesquisa é essencial para elas, é lá que está o principal investimento nos pesquisadores.”
Membro da European Foundation for Quality Management, Mano diz que não há um padrão entre os países. No Reino Unido, educação básica e ensino superior estão separados.
Na Espanha, também, mas a mudança é recente. Em junho, após a moção de censura ao governo de Mariano Rajoy, do Partido Popular, o governo que o sucedeu, de Pedro Sanchez (PSOE), desmembrou o Ministério da Educação e suas secretarias em três novas unidades, todas com status de ministérios: Educação e Formação Profissional; Cultura e Desporto; Ciência, Inovação e Universidades.
No Chile, uma lei promulgada em julho último criou o Ministério de Ciência, Tecnologia, Conhecimento e Inovação, que integra um sistema composto por órgãos públicos, instituições públicas voltadas à pesquisa e ao desenvolvimento e instituições estatais de ensino superior.