NOTÍCIA
A crise econômica afetou o ânimo dos jovens e a maneira como eles planejam a carreira profissional. Ganhar bem se tornou mais importante que ser feliz no trabalho, segundo Ilton Teitelbaum, professor da PUC-RS
Publicado em 02/05/2018
Quem são os jovens de hoje? Que país eles querem ter e o que estão dispostos a fazer para alcançar esse ideal? Como eles enxergam o desenvolvimento social, político e econômico do Brasil? Quais são suas aspirações?
Essas são algumas perguntas que um grupo de pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) tenta responder com a realização de uma pesquisa de abrangência nacional. A mais recente edição (e também a mais extensa) envolveu entrevistas com 1.620 jovens de 18 a 34 anos, sendo 65,8% deles na faixa de 18 a 24 anos. O estudo foi conduzido pelo Núcleo de Tendências e Pesquisa, vinculado à Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos), e liderado pelo professor Ilton Teitelbaum, mestre em marketing pela UFRGS.
Na entrevista que segue, o especialista fala sobre os resultados do estudo e o que se pode aprender com o que foi revelado sobre o perfil desse público em tempos de crise econômica e política no país. Em relação aos resultados coletados na edição anterior, realizada há quatro anos, chamou a atenção do pesquisador o desânimo dos jovens com as perspectivas de desenvolvimento do Brasil. De acordo com Teitelbaum, esse público experimentou os ganhos do crescimento econômico, e se animou com isso. Mas com a onda de retrocesso iniciada em 2014, eles perceberam a importância de ter uma retaguarda, daí a importância que passaram a dar para os ganhos financeiros em detrimento da felicidade no trabalho.
O professor da PUC-RS também comenta a eleição de youthquake como palavra do ano pelo Dicionário Oxford. Em tradução literal, seria algo como ‘terremoto jovem’, que significa, segundo o dicionário, “mudança cultural, política ou social significativa provocada por ações ou influência de pessoas jovens”. Muitos questionaram a escolha, principalmente por não se tratar de um termo novo – ele foi cunhado nos anos 1960, período em que a juventude teve participação fundamental na revolução política e social na época. Para Teitelbaum, é da natureza dos jovens fazer a revolução. “Talvez não valesse a pena dar tanto realce a isso.”
Quais são os aspectos mais surpreendentes dessa pesquisa que buscou traçar o perfil do jovem brasileiro?
Algumas características se confirmaram em relação às edições anteriores da pesquisa, como o desejo por estabilidade, o comportamento ansioso e a sensação de estar sob pressão. O fato de 6% dos jovens terem respondido que preferem a ditadura me surpreendeu. Eu até esperava um percentual maior por causa do fenômeno Bolsonaro (deputado federal pelo PSC-RJ). Também não esperava que a questão das reformas necessárias para melhorar o país aparecesse bastante. Por outro lado, não me espanta que os jovens queiram trocar os líderes políticos e que enxerguem o sistema prisional como fruto da violência que vivemos. Esses jovens estão clamando para que a gente faça parte de um mundo menos selvagem e isso está relacionado à limpeza na política, que eles querem que aconteça.
A primeira edição da pesquisa foi em 2013. Quais foram as mudanças mais significativas nesse intervalo de quatro anos?
O que mais me chamou a atenção foi o fim da euforia. Este é o grande ponto. Por mais uma vez, a gente [sociedade como um todo] acreditou que dessa vez o Brasil ia se desenvolver, e não foi. A gente sai de um jovem que vivia o pleno emprego e, por isso, se deixava ser mais inconsequente, e chega a um cenário com mais de 12 milhões de desempregados, uma multidão tendo de agarrar o que aparecer, seja de trabalho ou de estudo. Como se diz aqui no Rio Grande do Sul, ‘montar o cavalo que já está selado’. Isso foi um grande balde de água fria nesse jovem cheio de expectativas. É uma desesperança só. Tivemos a ascensão da classe média, o aumento do consumo, o controle da violência. Muitos dos que se beneficiaram desse cenário positivo, dessa ascensão, do sentimento de real cidadania, viram tudo isso se perder. Por outro lado, o que a gente vem observando é a perda de espaço de antigos sonhos e metas de consumo, como ter um carro. Hoje, ter wi-fi é a prioridade para 95,5%. Também houve uma forte desestruturação de conceitos de família e de outras questões historicamente tradicionais, como a religião. O jovem tem uma fé e um Deus, mas rejeita a instituição Igreja. O conceito de família também não se refere exclusivamente àquele modelo pai-mãe-filho. Hoje, família, pode ser tudo, até um conjunto de amigos morando juntos pode ser visto por eles como uma família. Nesses últimos anos houve uma forte quebra e desconstrução de antigos dogmas.
Como o jovem enxerga o mercado de trabalho atualmente?
Eles não querem fazer carreira em uma empresa só, porém, quando o cenário passa essa sensação de instabilidade, o emprego passa a ter mais importância em suas vidas – e a estabilidade no trabalho passa a ter o mesmo peso que ‘ganhar bem’. Essa foi a principal mudança na transição do cenário de pleno emprego para a situação de 12 milhões de desempregados. O grande sonho do jovem sempre foi viajar e conhecer o mundo. E continua sendo. A diferença é que hoje ele pensa duas vezes antes de abandonar um emprego para ir atrás disso. Essa situação, por um lado, fez com que ele percebesse que, para conquistar a estabilidade, eles precisa passar por etapas – algo que as startups e a valorização do empreendedorismo dão a impressão de serem menos importantes. Ele também não se contenta mais em ser apenas feliz no trabalho. O jovem quer reconhecimento e possibilidade de desenvolvimento (72%), quer ter desafios (48,6%) e ganhar bem (34,3%). E não almeja que as empresas tenham aquele perfil de ambiente do Google e do Facebook, com videogame e mesa de bilhar, embora valorize o horário flexível (39,3%). Esse jovem está voltado para a realidade.
A valorização do dinheiro em detrimento da satisfação pessoal com a atividade laboral, detectada na pesquisa, pode ter reflexos na escolha da carreira?
Tem um fenômeno, que a gente está vivendo ainda, que é a selvageria na busca por uma vaga de medicina. Tem gente que diz que o grande concurso público do momento é a disputa por uma vaga em medicina, já que ser médico é garantia de pleno emprego e boa remuneração. Ainda é uma carreira ligada a estabilidade. Mas a mudança do mercado de trabalho e o desenvolvimento tecnológico têm impulsionado uma enorme mudança em outros cursos. Acredito que vamos continuar convivendo com carreiras tradicionais, algumas delas passando por “surtos de empolgação” e, ao mesmo tempo, com novos cursos como Gestão e Liderança e outros de comunicação e da área digital, como Digital Influencer, a grande sensação atual. Em alguns casos, a universidade pode ser criativa e reagir a esses movimentos.
Ao mesmo tempo que querem ganhar dinheiro, os millennials (ou geração Z, os nascidos a partir de 1995) valorizam trabalho com significado, o que acaba gerando ansiedades e inseguranças. Como trabalhar isso?
Os millennials frequentemente são tachados de preguiçosos e reclamões, mas a pesquisa mostrou que muitos são ansiosos e exigentes, apesar da dispersão. A reclamação, o popular ‘mimimi’, pode ser reflexo desses sentimentos. Esse jovem viveu a euforia do Brasil e agora pega o desânimo. Temos de entender esse sentimento. Essa geração Z está tendo de lidar com a dificuldade do reerguimento. O desânimo e o reclamar, portanto, vêm da ansiedade, muitas vezes fruto de uma agenda de atividades cheia desde muito cedo, com foco no estudo-trabalho. É até natural que, aos 20 anos, todo mundo tenha essa sensação de ansiedade com o futuro. Sempre foi assim e as mudanças estão intensificando isso.
Como trabalhar a educação formal tradicional acadêmica em tempos de supervalorização do empreendedorismo e do rápido retorno?
Nós, educadores, temos de nos dar conta, nem que seja intuitivamente, de que esse jovem sabe que nada acontecerá se ele não se mexer. As empresas não contratam mais profissionais com aquele perfil clássico do funcionário público, que cumpre o básico e está satisfeito com isso. Os jovens têm de propor, precisam se dedicar – e eles sabem disso. Sob a ótica do ensino e da gestão da sala de aula, temos um lado muito bom. Esses jovens são engajados e proponentes. Para nós, educadores, o desafio é modular isso. A figura do professor hoje é muito mais a de um tutor em vários casos. Aquele professor socrático não funciona mais. Muitas vezes, digo que nem sei se sabemos mais que eles. Aquela relação entre ensinar e aprender, professor e aprendiz, não é mais tão rígida e isso muda nosso papel, nossa formação (sempre aprendendo) e nossa forma de lidar com esse jovem, que será muito mais horizontal que vertical.
A pesquisa mostrou que os jovens estão buscando cada vez mais tutoriais on-line para se qualificar para o mercado de trabalho. Isso quer dizer que eles valorizam menos o ensino superior que a geração passada?
De fato, a informação está à disposição dos jovens. Mas nós, como instituição de ensino superior, precisamos ajudar a formar esse jovem para que ele tenha o discernimento e o entendimento de como lidar com essas informações. Eles precisam saber que os dados crus não servem para nada; o dado analisado é informação. O que temos de trabalhar, que é o que eles cobram de nós hoje, é a orientação para usar essas informações de forma pertinente.
A nova geração tem o mesmo padrão de consciência política que os jovens dos anos 1960, símbolos de revoluções comportamentais, sociais, culturais? Concorda com a decisão do Oxford de eleger youthquake como a palavra do ano de 2017?
Os jovens forçam mudanças ainda que sejam muito diferentes dos jovens das gerações anteriores. Há 22 anos, quando comecei a dar aula, apenas 22% dos lares brasileiros tinham telefone, e os estudantes universitários eram basicamente da classe AB. Hoje o cenário é outro. O jovem não provocou essa mudança, mas ele é fruto dessa mudança. A vida é uma luta por espaços. E o movimento youthquake é uma luta por esse espaço. De certa maneira, discordo da escolha do Dicionário Oxford, pois, pela convicção que venho construindo, o jovem é sempre alguém que tenta romper barreiras. Às vezes, ele é engajado e pode fazer isso de uma forma mais efetiva, mas isso não tem nada de revolucionário, isso é natural dele. Por isso, acredito que talvez não valesse a pena dar tanto realce a isso.
Quais são as perspectivas para os próximos anos? Como lidar com esse desânimo com a economia e motivar os jovens a seguir em frente?
A grande questão é que vivemos hoje uma enorme crise de confiança, tanto no próximo como em quem manda. Com isso, fica difícil demonstrar que se vai a algum lugar [como país]. Essa crise de confiança é geral e passa pelas instituições superiores (colegas, professores, governantes). Sem dúvida nenhuma, a grande revolução virá da educação, uma revolução que acontecerá de baixo para cima. Enquanto isso não acontece, é preciso ter no comando alguém que os faça acreditar que essa luta vale a pena. Pensar em educação de baixo para cima, aí sim teremos esse youthquake de fato.