NOTÍCIA
Para que a autorregulação do ensino superior funcione de maneira eficiente, é preciso elevar os padrões éticos da sociedade, enfatiza consultor da Unesco
Publicado em 02/05/2018
Defendida pelo setor como um meio de eliminar alguns entraves à inovação, a autorregulação precisa ser discutida com muita seriedade, acredita Cândido Gomes, professor catedrático da Universidade Portucalense Infante Dom Henrique e consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O motivo de sua preocupação é a falta de confiança mútua entre o regulador e os regulados, algo que precisa ser revisto em primeiro lugar. “Na Finlândia, por exemplo, o sistema de educação superior é baseado na confiança mútua. Se há desvio de recursos em universidade pública, isso gera uma situação pavorosa”, comentou na entrevista concedida à Ensino Superior durante a realização do 2º Congresso de Políticas Públicas para o Ensino Superior.
“O pressuposto para a autoavaliação é a confiança mútua, mas, se você tem um acadêmico atuando como fiscal para ver papéis sem poder dialogar, sem poder sugerir, como ocorre no Brasil, fica difícil construir um sistema de confiança. É preciso mudar tudo isso, inclusive elevar os valores éticos”, destacou o especialista, que foi assessor legislativo de educação do Senado Federal, da Assembleia Constituinte e da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional.
Sempre lembrada pela autonomia que concede às suas instituições de ensino, a Finlândia foi usada como um exemplo pelo especialista, ainda que haja diferenças consideráveis de valores e posturas. Em seus primórdios, o Brasil, como antiga sociedade colonial, fingia que estava cumprindo todas as leis e normas simplesmente para “agradar” Lisboa, como lembrou o especialista. Independentemente desse fundo histórico é preciso estabelecer um “clima ético de confiança em propostas e execução de políticas públicas”, defendeu Gomes.
O pesquisador também concorda com a afirmação de que o Brasil é um país que tem Estado de menos e governo de mais, uma característica que traz reflexos para a educação, marcada por uma mutabilidade de normas, pensamentos e ações. “Não há um plano de Estado. Não há uma visão de educação relativamente consensual que permita seguir uma determinada trajetória, uma estrada definida, de um governo para o outro. Então ficamos aos cuidados das vontades pessoais. Isso é velhíssimo e não conseguimos superar por falta de Estado”, pontuou. Enquanto isso, os governos vão se sucedendo em um contínuo ciclo de faz-e-desmancha. O que o sucesso fez, é desmantelado por seu sucessor. Sem contar as dificuldades criadas aos opositores para prejudicar a administração e o acesso à informação do novo eleito, como lembrou o pesquisador e consultor.
A falta de macrodiretrizes para o desenvolvimento da educação, contudo, não impediu a criação de uma série de normas para regular a atuação das instituições de ensino e funcionamento dos cursos.
Gomes acredita que a maioria das IES optam pelo modelo conteudista porque precisam cumprir a ementa do curso e porque querem alcançar uma classificação alta no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).
“O Enade envolve muito mais memorização do que quer parecer, e é tão mal colocado que leva o aluno a revidar contra a sua própria instituição, pública ou particular, na hora da avaliação. Ele pode, inclusive, deixar a prova em branco porque não há compromisso. Ele está dissolvido dentro de um grupo. Todo esse modelo precisa ser discutido, pensado e revisto para avançarmos como sociedade e civilização humana”, acredita.
Essas reformas podem ser lideradas pelas próprias instituições de ensino, principalmente as particulares, que respondem pela maioria dos alunos. “É preciso ter voz forte para o diálogo”, finalizou.