NOTÍCIA

Ensino edição 221

Como oferecer educação de qualidade em escala

Reitor adjunto e consultor estratégico sênior do MIT, Vijay Kumar afirma que há uma infinidade de recursos de aprendizagem amplamente disponíveis. Eles podem revolucionar a educação, porém, primeiro é preciso reconhecer seu valor

Publicado em 14/08/2017

por Marina Kuzuyabu

entrevista pelos tomadores de decisões nas instituições de ensino

Há cinco anos, aproximadamente, um grande acontecimento mexeu com o universo educacional: o lançamento dos cursos massivos online gratuitos, os Moocs. O movimento foi liderado por instituições renomadas, como Harvard e MIT (Massachusetts Institute of Technology), que reconheceram a importância de compartilhar e disseminar a tão aclamada qualidade de suas aulas e professores, até então restrita a um grupo seleto de pessoas.

O fato é um dos mais emblemáticos na história da educação aberta, linha que defende a produção e, sobretudo, a disponibilização gratuita na internet de materiais pedagógicos, disciplinas e até cursos inteiros. Reitor adjunto e consultor estratégico sênior na área de aprendizagem digital do MIT, Vijay Kumar é um de seus maiores defensores por acreditar que essa ampla divulgação tem potencial para levar educação de qualidade para pessoas do mundo inteiro.

Recentemente, Kumar veio ao Brasil participar do seminário O futuro do ensino superior, realizado pelo Semesp em parceria com Laspau, organização ligada a Harvard. Na entrevista que segue, o especialista fala sobre a importância de eliminar as barreiras que impedem a utilização massiva dos recursos que já estão disponíveis e detalhe alguns de seus projetos, entre os quais uma rede de cooperação, a J-Wel, que pode, inclusive, beneficiar as instituições brasileiras.

Como podemos definir o movimento da educação aberta?
Pode-se pensar que a educação aberta se refira à criação de conteúdo aberto ou tecnologia aberta e que seu objetivo seja tornar as oportunidades educacionais amplamente disponíveis para todos. A questão,contudo, não se limita ao acesso aos recursos. Além de acessá-los, também devemos ser capazes de reutilizá-los, renová-los, revisá-los, reeditá-los– estamos falando sobre os 4 R’s. Também devemos poder compartilhá-los.

Neste contexto, você toma algo, modifica e contextualiza-o para depois colocá-lo novamente disponível para a comunidade. Essa é outra maneira de pensar nos recursos educacionais abertos aplicados à educação. Outro aspecto importante é a ausência de barreiras. Se você olhar para os cursos da edX [plataforma de cursos massivos online criado por Harvard e MIT], por exemplo, poderá ver que há recomendações do tipo “seria bom que você tivesse tal experiência para esse curso”. Porém, em nenhum momento o usuário passa por algum tipo verificação de conhecimentos. Portanto, a educação aberta diz respeito à produção de conteúdos e tecnologias abertas,que devem ser colocados à disposição sem condições prévias, necessidade de outras tecnologias e/ou restrições legais.

Quais são as vantagens de trabalhar com educação aberta, inclusive para as instituições e professores que se dispõem a abrir seus conteúdos?
Além do edX, o MIT tem uma iniciativa até mais antiga de disponibilização de recursos educacionais: o OpenCourseWare. Por meio dessa plataforma, milhões de alunos e professores do mundo inteiro podem acessar mais de 2 mil cursos. Falando especificamente sobre os professores, eles podem ver os cursos e usá-los como modelos para montar seus próprios currículos. Eles também podem utilizá-los como recursos diretos ou suplementares em suas aulas. Essa realidade faz com que os educadores sede em conta de que há uma abundância de recursos educacionais acessíveis sem custo algum. Isso é uma grande vantagem.

Também considero muito positivo é o fato de que você pode revisar, reeditar, reutilizar e renovar os recursos. Voltando ao exemplo do OpenCourseWare, as pessoas podem analisar, criticar, fazer mudanças nos cursos, o que faz com que haja uma atualização constante no conteúdo. Quando lançamos a plataforma, o mundo inteiro passou a olhar os cursos do MIT, inclusive os próprios professores do MIT. Um começou a ver o que o outro estava fazendo e dessa nova interação muitas coisas novas surgiram. Isso foi muito estimulante para os professores. Tornar as coisas abertamente disponíveis tem todas essas vantagens.

Diante de uma grande quantidade de recursos, os professores podem se sentir perdidos sem saber o que selecionar. Como fazer para que todos esses conteúdos de qualidade sejam, de fato, apropriados pelos docentes?
Quando há abundância, realmente pode ser complicado discernir o que selecionar e o que descartar. Sendo assim, é preciso fazer uma curadoria procurando associar os recursos com os resultados que se pretende alcançar. Tem havido muitos esforços nesse sentido aqui nos Estados Unidos para apontar quais recursos “combinam” com tais objetivos de aprendizagem.

Falando das iniciativas individuais, cada professor deve encontrar um meio de selecionar os bons recursos disponíveis – e por bom quero dizer adequado ao currículo adotado e à realidade local. Também devem ser considerados bons os conteúdos que funcionam e foram revisados. Mas concordo que nem sempre é simples encontrar esses conteúdos e que, muitas vezes, eles demandam tecnologias específicas, implementações particulares.

Quem trabalha com educação aberta precisa pensar nisso e facilitar tanto o trabalho de acesso como o de adoção dessas aulas, cursos e demais recursos. É importante ressaltar que não existem apenas problemas técnicos que impedem uma disseminação mais ampla da educação aberta.

Há também uma barreira de natureza política, institucional. Nós fizemos um projeto chamado Kaleidoscope onde mostramos que, usando recursos de educação aberta, era possível reduzir o custo dos cursos de leitura e matemática e chegar aos mesmos resultados. Isso foi possível não apenas porque criamos mecanismos para identificar recursos de qualidade e mostrar aos professores como usá-los, mas também porque os coordenadores das instituições envolvidas se comprometeram a usar e trabalhar com eles. Para resumir, também é preciso mostrar que ao usar esses recursos abertos a qualidade dos cursos não vai diminuir.

Quais países e instituições encamparam sistematicamente a educação aberta?
Existem muitos exemplos. Quando o OpenCourseWare começou, milhares de instituições se juntaram ao Open Education Consortium [organização sem fins lucrativos criada nos Estados Unidos para promover a educação aberta no mundo inteiro]. Portanto, existem inúmeras instituições e países que estão ativamente usando recursos abertos como parte de seu inventário de recursos. Isso está acontecendo porque hoje em dia temos um conjunto muito maior de recursos e eles podem atender às diferentes necessidades dos estudantes – e as pessoas estão percebendo isso.

Na Índia, onde trabalhei como consultor, existem recomendações governamentais incentivando o uso de recursos educacionais abertos. Ou seja, estamos falando de um país que adotou a educação aberta como estratégia nacional para oferecer educação de qualidade em escala. Também posso mencionar o caso da Open University, na Inglaterra, para quem a educação aberta é uma estratégia central.

Com base nas pesquisas e grupos de trabalhos que o senhor participa, como é possível tornar o ensino e a aprendizagem mais estimulantes?
O ensino tem que ser estimulante tanto para o professor quanto para os alunos. Sobre esse tópico, eu consigo pensar em três coisas. Primeiro, você precisa de atividades que envolvam o aprender-fazendo. Quando os alunos se engajam em fazer alguma coisa, a atividade se tornar estimulante.

Em segundo lugar, acho que é importante ter atividades que despertem a curiosidade do aluno e, mais do que isso, sejam desafiadoras. Os alunos precisam sentir que existe algo para ser alcançado. A terceira coisa sobre o estímulo é que ele não implica apenas tecnologia. Estímulos vem de pessoas.

Também acho que vale acrescentar mais uma coisa, que é a importância da diversão para qualquer atividade de ensino que se pretenda estimulante. E diversão vem de todas essas coisas que já mencionei, além de recursos como os jogos. Mas a essência é que, para estimular, é preciso revelar a alegria da aprendizagem para os estudantes.

No futuro, seremos capazes de oferecer
experiências de aprendizagem personalizadas

O senhor veio ao Brasil para participar de um evento sobre o futuro do ensino superior. Como o senhor enxerga esse futuro?
Acredito que nós temos capacidade para criar futuros “preferenciais”, pois o futuro não é algo que acontece com você. É você que faz o futuro acontecer. Sendo assim, você precisa ser proativo.

A tecnologia cria muitas possibilidades para proporcionar oportunidades educacionais flexíveis a uma ampla variedade de alunos. Então, quando penso no futuro, eu gosto de pensar que a educação vai acontecer a partir de qualquer lugar, e quando eu falo isso, não quero dizer apenas no sentido geográfico. As pessoas estão em qualquer lugar e podem obter educação em qualquer lugar – isso está acontecendo agora.

O que estou dizendo é que você poderá ter educação do que quer que seja em termos de sua preparação. Afinal, as pessoas chegam preparadas de diferentes formas, com diferentes motivações e diferentes aspirações. Mas com a tecnologia, será possível atender a essas diferenças. Esta é uma dimensão muito significativa do futuro da educação porque aqui estamos realmente pensando sobre a personalização da aprendizagem. Seremos capazes de desenvolver, oferecer experiências de aprendizagem personalizadas em escala.

De certo modo, isso já está acontecendo, certo?
Estamos chegando lá. Hoje nós conseguimos adaptar as intervenções educativas, há as ferramentas de business analytics… a personalização está acontecendo em microníveis. Nesse campo, contamos ainda com o apoio da ciência do cérebro e da ciência cognitiva. Estamos tentando entender os diferentes “perfis cognitivos” a fim de tornar as abordagens educativas mais eficazes. Por exemplo, podemos pesquisar sobre como abordar as necessidades de uma criança disléxica e evitar fracassos educacionais lá na frente.

Esse tipo de personalização, que busca conhecer o aluno, me dá muita esperança. Também acho que temos grandes oportunidades para explorar na área da educação profissional. Hoje são necessárias diferentes habilidades e o tipo dessas habilidades também está mudando. Eu vejo um futuro com muito mais capacidade de resposta a essas mudanças e um futuro que também capacita os alunos a conduzir essas mudanças. Hoje, mais do que nunca se fala sobre a aprendizagem ao longo da vida não apenas como uma declaração política, mas uma possibilidade real.

Nos conte mais sobre esse projeto do MIT, o J-Wel, que busca revolucionar a efetividade e o alcance da educação?
Esse projeto, o Jameel World Education Lab (J-Wel) é uma iniciativa interessante. Nosso objetivo é reunir: os recursos online do MIT, como os cursos e os Moocs; o que estamos aprendendo sobre o aprendizado por meio de pesquisas científicas; os recursos digitais de aprendizagem; e, finalmente, a criatividade dos professores do MIT.

Queremos trazer tudo isso de forma agregada para ajudar a mudar a educação, desde a pré-escola, passando pelo o equivalente ao ensino fundamental de vocês, até chegar à educação superior e à educação profissional. O laboratório funciona por meio da colaboração entre pessoas de cada um desses grupos e também entre os grupos. Então, estamos reunindo todos aqueles recursos que mencionei para somá-los ao poder dessa colaboração e, assim, fazer a mudança. Temos feito ótimos projetos, mas queremos ter uma maneira sustentável de fazer isso. Por isso, três vezes ao ano realizamos um festival de aprendizagem.

Esse festival dura uma semana e durante seu desenrolar, são realizados workshops, seminários, exercícios, palestras, apresentações, etc. Os participantes podem tanto ter oportunidades de aprendizagem como conseguir suporte para projetar algo que desejam em suas instituições, como um novo programa de ciências ou um novo programa de treinamento de professores.

Como podemos participar disso?
É possível se tornar membro do J-Wel. Você tem diferentes categorias de afiliação e taxas associadas a cada uma delas. Mas, dependendo da categoria, você ganha muitos benefícios, como briefings das pesquisas que estão sendo realizadas, acesso a conferências internacionais, participação em workshops, desconto em cursos variados. Há uma série de benefícios.

No caso do Brasil ou dos associados do Semesp, para falar mais diretamente, é possível que todas essas atividades que mencionei não sejam plenamente aproveitadas. Mas, em compensação, podemos construir juntos projetos personalizados. A minha visita ao Brasil e o lançamento do J-Wel nesse ano foi um acontecimento fortuito, mas as pessoas têm me perguntando como é possível fazer tais e tais coisas. A minha resposta é: podemos trabalhar através do J-Wel.

Dependendo do objetivo, podemos desenvolver programas profissionais e, inclusive, criar experiências de aprendizagem aplicáveis em escala para que as pessoas que integram a organização possam se atualizar. Também podemos auxiliar na criação de programas híbridos [que misturam atividades presenciais com outras a distância] e até na criação de avaliações adequadas a essas novas metodologias de ensino. Estamos trabalhando em todas essas áreas e todas elas dizem respeito à reinvenção da educação. Estamos mudando a educação através do aprendizado e também a forma como o aprendizado acontece. Esse é o nosso objetivo.

Autor

Marina Kuzuyabu


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