NOTÍCIA
Livro de Danilo Marcondes mostra como a linguagem tornou-se objeto de preocupação de pensadores de diversas áreas
Publicado em 10/04/2017
A angústia de conhecer e definir o que é o real, de situar o homem em relação a suas percepções de tempo e espaço sofreu abalos profundos no século 20. Se essas questões, num primeiro momento, foram mais objeto da filosofia do que de outros campos do saber, o século passado marcou sua presença em diversas áreas. A começar da física, que embaralhou nossas noções do real.
Como lembra Marcelo Gleiser, ao combinar espaço e tempo, a relatividade de Einstein tornou essas variáveis dependentes do observador, não mais absolutas; já a física quântica mostrou que “as escolhas feitas pelo observador induzem a natureza física do que é observado: o observador define a realidade” (Folha de S.Paulo, ciência, nov. de 2010).
Uma das ferramentas centrais para descrever e definir o que tomamos como o real é a linguagem. Mas eis que, em meio a essas revoluções, o sentido e o papel da linguagem também entraram em foco no século 20, ainda que sempre tenham sido objeto da filosofia. Mas, vista de forma mais clara como elemento crucial na relação com o real, com o processo de conhecimento e nas interações humanas em geral, a linguagem ganhou mais centralidade na filosofia a partir do final do séc. 19.
É o que mostra, de forma didática, Danilo Marcondes, professor de filosofia da Universidade Federal Fluminense e da PUC-RJ, em As armadilhas da linguagem (Zahar, 2017). Doutor em filosofia pela Universidade de St. Andrews, Grã-Bretanha, na área de filosofia da linguagem (área da pragmática que estuda as relações dos signos e de seus intérpretes), Marcondes tem relevante obra de divulgação no campo da filosofia. A partir de textos básicos comentados de forma panorâmica que possibilitam uma primeira aproximação com os temas, já discorreu sobre filosofia (em sentido mais geral), história da filosofia, filosofia do direito, filosofia da ciência, ética e linguagem.
Em As armadilhas, começa por mostrar as diferenças entre língua e linguagem, o seu uso instintivo, o porquê de a linguagem ser uma questão relevante para a filosofia, depois enveredando para as grandes questões que ela aportou ao campo, como as relações entre mente e linguagem (e sobre como se dá o conhecimento) e a comunicação e a interação linguística, em especial a teoria dos atos de fala, sua área de especialidade.
O livro mostra como a linguagem tornou-se objeto de preocupação de filósofos e de pensadores de diversas áreas afins na passagem do século 19 para o 20. Nomes como os dos fenomenologistas Husserl e Heidegger e outros como Bertrand Russell, Richard Rorty, Charles Pierce, Ferdinand de Saussure, Jacques Lacan e Malinowski, entre outros tantos, dedicaram ao tema grande relevância, principalmente nos campos da sintaxe e da semântica, na busca pelos sentidos da linguagem.
Em um segundo momento, nas décadas de 40 e 50, autores como Wittgenstein, John Austin e Gilbert Ryle deixam de lado uma preocupação mais centrada nos fundamentos científicos da linguagem, para observá-la pelo ângulo de seus usos e das interações que ela possibilita, como nos jogos de linguagem de Wittgenstein ou nos atos de fala de Austin.
Como em tantos campos, o olhar aqui se fragmenta e, se abre possibilidades diversas ao abandonar o intuito de uma explicação universal para o fenômeno, de outro lado deixa o risco de uma deriva solipsista, tal como aponta Primo Levi ao comentar uma poesia tão enigmática que se tornava ininteligível. “Estou cansado das ‘densas massas magmáticas, de ‘recusas semânticas’ e de velhas inovações”, escreve o ex-químico italiano cujas memórias trágicas quis partilhar com o mundo.
Esse parece ser um dos dilemas sobre o como nos apropriamos da linguagem: como não fazê-la tão universal que venha a sufocar as individualidades e singularidades culturais, nem tão particular a ponto de nos ensimesmar.