NOTÍCIA
Onde estão aqueles de quem se deve exigir resposta a medidas inúteis? Leia coluna de José Pacheco
Publicado em 15/03/2017
O geógrafo Milton Santos identificou dois fantasmas que alimentam a aversão ao novo nas instituições de raízes franco-lusitanas: de um lado, burocratização e institucionalismo; de outro lado, inércia e conservadorismo. Há décadas, congresso após congresso, escutamos as mesmas ladainhas: acadêmicos proclamando virtudes das didáticas das respectivas disciplinas; especialistas das novas tecnologias, anunciando a remissão das aulas por via da introdução de plataformas digitais e de outras panaceias; animadas e anestesiantes palestras motivacionais, ingénuas tentativas de melhorar um velho modelo educacional que não tem conserto.
Entretanto, as medidas de política educativa continuam dependentes de opiniões e crenças de economistas, engenheiros, jornalistas, advogados, políticos, para os quais as ciências da educação são ciências ocultas. Onde estarão aqueles de quem se deverá exigir a compreensão da inutilidade dessas medidas? O seu obsceno silêncio permite que escolas ditas alternativas adotem modismos pedagógicos, que sistemas de ensino operem mudanças cosméticas, que fundações e institutos financiem a mesmice, na ignorância da necessidade de conceber novas construções sociais de aprendizagem.
Na terra de ninguém da educação, deputados fazem aprovar emendas milionárias, para construção de elefantes brancos, legitimados por arquitetos adeptos da pedagogia predial. Oportunidades se perdem, a cada quatro anos. E o direito à educação se esvai no sobe e desce do Pisa, do Ideb e de outros rankings, porque se crê que a preocupação com o termômetro pode fazer baixar a temperatura…
Visando efeitos de curto prazo, os governantes optam por escutar o conselho de burocratas incapazes de compreender que um modelo educacional concebido no século 19 encontra-se defasado em relação à complexidade da sociedade contemporânea. Consciente do fato, um responsável ministerial disse ser ensurdecedor o silêncio das ciências da educação.
Dizem-nos o Edgar Morin e o Carlos Delgado que, longe de ser um esforço iluminista, a reforma educativa há de se fundir com a reforma do pensamento, da política e do político. Pois que aconteça! Quando foi publicado um livrinho, que dá pelo título de Dicionário dos Absurdos da Educação, recebi críticas virulentas, provindas de acomodados e incomodados. E, nessa época, ainda não havia formulado algumas singelas perguntas dirigidas aos meus companheiros das ciências da educação. Ei-las:
A Constituição e a Lei de Bases consagram o direito à educação de todos os cidadãos?
É sabido que sim.
O velho modelo de escola, que os ministérios fomentam e as escolas replicam, logra assegurar a todos esse direito?
A resposta é um não.
Se o modo como as escolas ensinam não logra cumprir a lei, poderão as escolas continuar a trabalhar desse modo?
Se a educação é um direito de todos, por que razão o poder público sonega esse direito? Mutatis, mutandis: os ministérios e as escolas terão o direito de continuar a agir desse modo?
Claro que não! Mas, continuam, sob o manto diáfano de um ensurdecedor silêncio das ciências da educação.
Cadê a ética, companheiros?