Mercado de mídia e entretenimento se revigora com o fortalecimento da internet e abre espaço para formações não tradicionais
Publicado em 24/11/2016
Até 2020, a receita mundial do setor de mídia e entretenimento deve crescer 4,4% ao ano e atingir a marca de US$ 2,14 trilhões. No Brasil, essa expansão promete ser ainda mais vigorosa, com altas anuais de 6,4% e expectativa de chegar ao final da década faturando US$ 48,7 bilhões. Os dados são da pesquisa Global Entertainment and Media Outlook 2016-2020, produzida pela PricewaterhouseCoopers. O levantamento abrange 54 países e 13 segmentos do setor, entre os quais o mercado de revistas, cinema, videogames, livros, internet, TV e rádio.
Estimulado principalmente pelo aumento dos investimentos em publicidade na internet, que deve crescer 14,6% ao ano no período (veja mais abaixo), o Brasil é um dos 36 países cujas cifras vão superar o PIB. Quarto maior mercado mundial de internet móvel até o final do período, com 175 milhões de assinantes, ele deve ultrapassar o Japão, a Rússia e o México em matéria de consumo de dados em dispositivos móveis, segundo projeta a PwC, e registrar a incrível taxa de crescimento de 500%.
Na esteira desta vitalidade do setor, novas habilidades e competências vêm sendo caçadas a laço pelo mercado de trabalho, abrindo um sem-número de profissões, funções e, consequentemente, cursos de formação. Há opções para todos os gostos, desde módulos livres, mais rápidos e pontuais, oferecidos por escolas de ensino superior ou não, até cursos de graduação, pós e MBA devidamente homologados pelo Ministério da Educação (MEC). Atividades remuneradas, como blogger, editor de vídeos ou youtuber, e formações mais técnicas, como tecnólogo em jogos digitais ou designer de solução de sistemas de interação, por exemplo, competem agora em pé de igualdade com carreiras em áreas tradicionais, como as de psicologia, educação ou arquitetura.
Adesão das grandes escolas
Para acompanhar a tendência, instituições de ensino superior consagradas, como a Faculdade Cásper Líbero, que implantou a primeira escola de jornalismo do país, em 1947, aposta em aulas livres, de vanguarda, em áreas correlatas aos seus quatro grandes cursos de graduação – publicidade e propaganda; jornalismo; relações públicas e rádio, TV e internet. “Ao todo”, explica Marcelo Henrique Rodrigues, gerente de Comunicação Corporativa e Eventos da Cásper, “são 32 temas em lista de espera, dos quais 20 incluídos na agenda de férias do início de 2017, que serão oferecidos ao público em módulos de cerca de 40 horas e certificação de curso de extensão.”
Entre os assuntos abordados – “todos pautados”, segundo Rodrigues, “a partir de uma demanda interna, dos próprios alunos da faculdade”, listam-se LinkedIn – Oficina de gestão de perfil e conteúdo ou como criar seu canal de vídeos no YouTube. Outros, sujeitos à aprovação, são infografia e jornalismo visual; monitoramento de mídias sociais – inteligência de mercado; construção de conteúdo para plataformas digitais; ou edição de vídeo em Adobe Premiere.
No mix, a Cásper Líbero procura contemplar o leque de conhecimentos necessários para trabalhar no setor. O curso de vídeo para youtubers, por exemplo, incorpora noções teóricas de compartilhamento e engajamento, direito autoral e divulgação, etiqueta digital e monetização, ao mesmo tempo que ensina técnicas de improviso com a câmera e manuseio das ferramentas jornalísticas para formatar um filme.
“São todas elas atividades consolidadas e fonte de renda fora do Brasil”, justifica Marcelo Santos, professor de mestrado em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, para quem é “uma grande bobagem” dizer que o jornalismo acabou. “Entretenimento e informação nunca se esgotam. O que acontece é que eles se desenvolvem em outras plataformas, mais modernas.”
De fato, o mesmo estudo da PwC mostra que a despeito de dois segmentos do setor – jornais e revistas – apontarem retração até 2020, a versão digital das duas mídias sugere crescimento de 9,8% e 13,2% ao ano, respectivamente, contra – 3% e – 3,7% quando impressas. No Brasil, jornais e revistas on-line projetam, respectivamente, resultados anuais positivos de 19% e 15,1%, contra 0,4% e 0,9% em papel.
Para Marcelo Santos, outro tabu que deve ser quebrado em relação ao mercado de ensino emergente diz respeito à concorrência entre curso superior e curso livre: “Eles não competem entre si. Do ponto de vista mercadológico, inclusive, as aulas livres são um bom termômetro do mercado e permitem avaliar e abrir espaço para novas propostas de graduação”, afirma, explicando que “quem busca uma formação sólida, não se limita a um curso rápido.”
O fenômeno da gamificação
Com esse ponto de vista concorda Daniel Gatti, diretor da faculdade de ciências exatas e tecnologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tanto é que, diferentemente da Cásper Líbero, a PUC-SP adotou uma postura mais arrojada em relação à sua grade de cursos digitais e acabou apostando novas fichas em um bacharelado de três anos, ao qual deu o nome de Design de interação.
Com inscrições abertas desde já para a sua primeira edição e “uma boa procura até o momento”, segundo Gatti, o curso se destina aos alunos que desejam explorar os múltiplos desafios da interface homem-máquina e investir na capacitação em design multidisciplinar, com destaque para fotografia e audiovisual, linguagem web, dispositivos móveis, realidade virtual e aumentada, computação gráfica, animação digital, usabilidade, prototipação, games, internet das coisas e tecnologias vestíveis (wereables).
Para Rogério Cardoso dos Santos, vice-coordenador de outro curso precursor criado pela PUC-SP em 2007 (Superior de tecnologia em jogos digitais), o Design de interação representa, para a universidade, “um passo adiante na direção da inovação”. Até o momento, são cerca de 300 profissionais com diploma de Designer de games da PUC-SP, prova do verdadeiro boom que vem conhecendo esse segmento no Brasil e no mundo e do quão acertada pode ser a iniciativa acadêmica de aliar teoria, reflexão e know-how em torno de profissões que agradam aos jovens.
A pesquisa da PwC também comprova a grande aceitação do público: apontando crescimento global de 4,8% entre 2016 e 2020 – 11,3% no Brasil e projeção de aumento da receita atual, de US$ 484 milhões, para US$ 825 milhões no final da década –, o mercado de games é de todos os pesquisados pela PricewaterhouseCoopers o mais promissor. Ao lado dos conceitos de mobile, always on, inteligência artificial e interatividade com a máquina, a gamificação é, de longe, efetivamente uma das tendências mundiais mais palatáveis, garantem os especialistas.
“Os jogos podem se prestar a outras funções além do entretenimento”, analisa Delmar Domingues, professor do curso de Design de games oferecido pela Universidade Anhembi Morumbi. Para ele, “a procura interna foi o sinal de alerta para que levássemos mais em consideração a emergência da área digital”, nos idos de 2003. Resultado: com atividades conduzidas em laboratórios projetados e ênfase em animação e modelagem 3D, entre outros, a Anhembi despeja no mercado, ao cabo de oito semestres, profissionais aptos a conceber games tanto para PC como para web e mobile, e produtos para áreas tão distintas quanto a de saúde ou a educacional.
O sucesso é tamanho que outras escolas de ensino superior também dão o mesmo curso: é o caso da faculdade Impacta, que formatou suas aulas em torno de um conceito de interdisciplinaridade, contemplando aspectos como design, arte visual, áudio, programação e gestão de projetos e negócios. Uma vez formado, o aluno está apto a projetar, implementar e testar jogos digitais, criando roteiros, cenários, personagens, interfaces, regras e jogabilidade, além de aplicar técnicas de programação, áudio e elementos em 2D e 3D, garante o coordenador Alan Henrique Pardo de Carvalho, ele próprio pós-graduado em jogos digitais e diretor acadêmico do Capítulo São Paulo da International Game Developers Association (Igda).
A resposta das instituições ao fenômeno da gamificação no Brasil foi de fato tamanha que outra universidade, desta vez a norte-americana Full Sail, especializada em entretenimento digital, acabou por desembarcar no mercado nacional, em meados de 2012.
Estruturando suas atividades em torno de dois grandes eixos – a rede de escolas Red Zero, que propõe cursos livres na área de entretenimento digital em São Paulo e no Rio; e o International Experience Center da Full Sail Brasil, que visa levar jovens para estudar na Flórida –, Marcos Tartuci, CEO da empresa, explica seu interesse pelo mercado nacional: “Nós acreditamos demais no potencial criativo brasileiro. Basta ver o espetáculo que o país deu nas Olimpíadas. Além disso, são as agências de publicidade daqui que mais ganham prêmios no exterior. E é preciso lembrar que o Brasil é o quarto maior consumidor de games do mundo e não tem mais de 70 empresas desenvolvendo jogos internamente, o que abre perspectivas excelentes.”
Com um olho na animação digital e outro no cinema, a Faculdade Melies de Tecnologia é outra instituição que desenvolveu seu curso de games, sem, no entanto, se limitar ao segmento. Atenta às últimas tendências do mercado de entretenimento – em especial, o avanço da TV on-line e por assinatura e seus conteúdos –, decidiu investir forte no ensino de efeitos especiais para cinema, modelagem, texturização e iluminação 3D. “A procura pelos nossos cursos de curta-metragem, cinema e games praticamente dobrou desde 2015”, conta João Luís Boldrini, diretor-geral da escola.
Mesclando cursos de graduação de dois anos, como o Superior de tecnologia em produção audiovisual – Design de animação (destinado a quem pretende lidar com efeitos visuais, iluminação digital e produção de curta-metragem digital em estúdios de animação, produtoras de publicidade ou emissoras de TV) e outros cursos de curta duração (como o Moviola, de edição de vídeo), a Melies tem a seu favor “uma importante mudança de postura”: “Hoje, o aluno já não precisa convencer os pais de que trabalhar com entretenimento é uma profissão séria”, argumenta Boldrini.
De fato, os números estão aí para comprovar. Segundo a PwC, os gastos dos consumidores brasileiros com o segmento de TV e vídeo, que incluem o acesso a serviços de TV por assinatura, filmes e vídeos, devem chegar a US$ 11 bilhões até 2020, enquanto provedores de conteúdo de vídeo no formato streaming, como o Netflix e o YouTube, continuarão impondo uma concorrência sem trégua à TV paga até o final do período.
Além disso, o Brasil, que já ocupa o 7º lugar no ranking internacional de países com maiores despesas com TV e vídeo, não deve recuar da posição até o fim da década, sendo que mais 6 milhões de novos assinantes de TV por assinatura estão sendo esperados daqui para a frente, consolidando uma penetração em 33% dos domicílios brasileiros.