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Revolução no ensino

Professor de Harvard, Eric Mazur, acredita no aprendizado ativo e prega uma modernização do formato tradicional de educar, com reformulação pedagógica e mudança completa no formato das avaliações

Publicado em 27/05/2014

por Ensino Superior

Professor de Harvard, Eric Mazur, acredita no aprendizado ativo e prega uma modernização do formato tradicional de educar, com reformulação pedagógica e mudança completa no formato das avaliações

por Márcia Soligo | fotos Gustavo Morita

187_16A aplicação de novas técnicas de ensino pode não só melhorar o aprendizado dos alunos como também diminuir a distância entre gêneros e minorias. É o que afirma Eric Mazur, professor titular de Harvard e responsável pela criação do peer instruction no início dos anos de 1990. A técnica é baseada na inversão no processo de aprendizado, passando o conteúdo teórico para o aluno antes da aula e utilizando o tempo em classe para auxiliar no aprendizado. O método, que funciona de forma parecida com a Sala de Aula Invertida, é também apontado como uma das mais fortes tendências da educação nos próximos anos.

Mazur é professor de física na Universidade Harvard e começou a lecionar da forma tradicional: expondo o conteúdo e depois testando os alunos sobre o que foi aprendido. Apesar das avaliações positivas que sempre recebia, percebeu que aquele formato não atendia às suas expectativas e que os alunos somente aprendiam, de fato, fora da sala de aula, quando revisitavam as anotações. “No método tradicional tudo o que realmente acontece é o professor falar e os estudantes anotarem. Os alunos estão sentados ali escrevendo e não há tempo algum para pensar a respeito do assunto”, reforça.

Eric Mazur conversou com a revista Ensino Superior durante sua visita ao Brasil para apresentar palestra no Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Na conversa, o professor falou sobre a criação do peer instruction, como ele pode auxiliar no aprendizado, a necessidade de focar uma modificação pedagógica do ensino e em como as avaliações também precisam mudar para que a educação avance.

Ensino Superior: Você pode descrever o peer instruction?
Eric Mazur: Eu penso na educação como um processo de duas etapas: a primeira é a transferência de informações e a segunda consiste na assimilação do conteúdo pelos estudantes. No método tradicional toda a ênfase está na primeira etapa e a parte mais complicada, que é achar o sentido, o “model building” (construção de modelo, em português), é deixada para o aluno fazer sozinho. Então, o que eu comecei a fazer há 24 anos foi trocar a ênfase da entrega da informação para o processo de assimilação. E ao invés de colocar o professor no centro como o sábio, colocá-lo como o instrutor. A pessoa que instrui os estudantes para ajudá-los a entender o material. E a forma como faço isso é ensinar por questionamento: basicamente perguntar, fazendo com que os alunos tenham a oportunidade de pensar a respeito, comprometam-se com uma resposta, depois discutam uns com os outros – e é daí que o termo peer (companheiro) vem – e ajudem um ao outro a superar as dificuldades de raciocínio que eles podem enfrentar.

Por que o peer instruction é melhor que o método tradicional?
Eu acho que no método tradicional tudo o que realmente acontece é o professor falar e os estudantes anotarem. Os alunos estão sentados ali escrevendo as anotações e não há tempo algum para pensar a respeito do assunto. Apenas mais tarde, quando você vai para o seu quarto e lê as suas anotações, você reflete sobre o que lhe foi passado. Então eu acho que o método tradicional não dá tempo para os estudantes pensarem e com isso não dá aos alunos o que eles realmente querem. E isso é reforçado pelas avaliações, que geralmente forçam os estudantes a memorizarem o assunto para poderem reproduzir aquela informação. Contudo, na minha classe você vê algo muito diferente. Você não vai ver estudantes sentados passivamente, eles estão ativos, eles estarão fazendo coisas, eles estarão pensando, eles estarão falando, será muito mais parecido com um ambiente real de trabalho. E devido a esse processo os estudantes têm tempo de pensar, de esclarecer coisas que eles não entendem imediatamente e ter o que eu chamo de “a-ha moment”, que é aquele momento que você finalmente entende algo, na sala de aula e não fora. Então eu acredito que produzir um ambiente para os estudantes pensarem na sala de aula faz com que eles fiquem mentalmente ativos e comprometidos e isso tem demonstrado, através de estudos, que aumenta o aprendizado significativamente mais que o método tradicional.

E os estudantes realmente chegam à sala de aula preparados?
No método tradicional de ensinar você deve fazer o trabalho de casa depois da aula. Você tem a aula que introduz o material e depois você faz o trabalho de casa para demonstrar que entendeu o conteúdo. Na minha classe eu coloco o trabalho de casa antes da aula, para fazer a primeira exposição antes e depois o trabalho mais difícil não é feito em casa, é feito dentro da classe. E todos os estudantes fazem o trabalho de casa? Bem, não sempre. Você sabe disso, você sabe de quando nós éramos os alunos. Mas a maioria faz, principalmente se você der um bom motivo. Se ficar claro que irá valer a pena.

Você disse que o peer instruction pode ajudar a minimizar a distância de aprendizado entre alunos homens e mulheres. Você pode contar um pouco mais sobre isso?
Sim, ajuda. Isso em física, eu não sei quanto ao aprendizado de outros campos. Mas nas classes em Harvard quando nós testamos os estudantes do sexo feminino e do masculino, nós também podemos relacionar com outras minorias, como estudantes negros ou orientais e latinos; na verdade testamos diferentes minoras nas classes. Mas um item surpreendente que encontramos é que, se você pegar todas as estudantes do sexo feminino – e você está falando de 50% de mulheres nas nossas classes em Harvard – as notas no primeiro dia de aula, antes do peer instruction, estão significativamente abaixo das notas dos alunos do sexo masculino. E na classe tradicional tanto homens quanto mulheres ganham, mas a distância de aproximadamente 10% persiste. As mulheres aprendem e homens também, mas a distância persiste para o próximo semestre. Se nós usarmos o compromisso interativo, forçando estudantes a conversarem uns com os outros, as mulheres se saem melhor. Em parte eu penso que estudantes do sexo feminino tendem a se sair bem em um ambiente colaborativo e competitivo e também porque mulheres tendem a se sair melhor em um ambiente verbal do que homens. O importante é que os homens aprendem mais no peer instruction que no método tradicional, mas as mulheres aprendem muito mais.

Você sabe o que gera essa distância?
Isso é resultado de alguma coisa que acontece no ensino médio. Talvez em parte porque as exatas sejam julgadas como algo masculino, talvez porque a maior parte de professores sejam homens.

Você acredita que o modelo de avaliações irá mudar também?
Eu realmente espero que mude. Em termos de normas de avaliação de programas e de estudantes estamos essencialmente presos na Idade Média. Testamos a coisa que é mais fácil testar. Eu penso que realmente temos de perceber que nossas avaliações estão focadas em habilidades mentais menores e que temos de desistir de alguma objetividade para promover mais habilidades criativas em nossos estudantes. Isso é crucial. Então eu acredito que avaliações, incluindo critérios de acreditação, precisam ser revistos, porque, e isso é a parte importante, vai ser muito difícil fazer mudanças significativas na educação a não ser que pensemos sobre as avaliações.

Ainda hoje, em 2014, a técnica é uma das tendências mais fortes da educação a longo prazo de acordo com o NMC Horizon Report. Por que você acha que ainda é em longo prazo?
Para ser um médico, você precisa passar por diversos exames de acreditação. Quando você vai ser um professor ensinando em uma instituição de ensino superior, educando os líderes da sociedade, nada. Nenhum treinamento. Eu não sei, talvez no Brasil haja uma certificação, mas nos Estados Unidos e na maior parte do mundo, nada. Simplesmente por conseguir um diploma de ensino superior você supostamente deve saber como ensinar. Então o que você faz? Ensina do jeito que te ensinaram. E para piorar, avalia o seu próprio trabalho. Se você pensar bem é quase como uma máfia. Você controla o seu próprio mundo dentro da disciplina. Nós deveríamos chegar a um sistema em que alguns professores focam a parte de ensinar e outros focam a parte das avaliações. Essa seria a única forma honesta de ter uma responsabilidade.

A tecnologia é essencial para inovação em educação?
Eu amo tecnologia. Eu sou o primeiro a comprar um novo gadget, mas eu sou um grande cético sobre tecnologia na educação, porque a maior parte das pessoas usa tecnologia como um novo veículo promovendo métodos pedagógicos antigos. E realmente precisamos pensar sobre pedagogia e em como podemos criar um ambiente que induza a maior aprendizagem dos estudantes. E a tecnologia pode ser uma distração. Na verdade, o que você realmente precisa fazer é tentar utilizar a tecnologia para compor algo que não poderia fazer antes. E se você de fato medir a maior parte dos usos da tecnologia na educação utilizando esse filtro, eu acho que a imagem que emerge não é muito boa. Então eu sou muito cético, eu acredito que temos de pensar mais sobre como as pessoas aprendem e como podemos maximizar esse aprendizado e só depois devemos conversar sobre aplicações da tecnologia. Infelizmente não é assim que a maior parte das pessoas pensam.

O senhor diz que o Peer Instruction também melhora a memorização? Poderia explicar como?

O cérebro é conectado para armazenar modelos, não fatos. O Peer Instruction aumenta o entendimento, e esse entendimento acaba auxiliando a lembrar melhor as informações.

 Você acha que o modelo tradicional de ensino ainda é efetivo?

Efetivo para qual propósito? Talvez apenas para transferir informação. Mas não oferece muitas oportunidades para pensar e refletir. Antes de haver livros, o modo tradicional era a única forma de ensinar. Nós evoluímos por 500 anos desde a invenção dos livos. Já está na hora de pararmos de ler livros para os alunos durante as aulas!

Como você acha que o Peer Instruction pode ajudar educação superior no Brasil?

O Peer Instruction pode ajudar estudantes brasileiros a aprender habilidades de raciocínio. Muitos alunos se esforçam apenas para lembrar dos conteúdos. Neste século, a informação está disponível em todo lugar, então lembrar não é mais tão importante como costumava ser. Nós devemos focar em desenvolver criatividade e inovação. E o Peer Instruction é a chave para desenvolver essas habilidades.

Você disse que em Harvard, onde você leciona, os professores têm autonomia para ensinar do jeito que eles acham melhor. E em escolas que não permitem isso? O que os professores podem fazer para melhorar a forma que ensinam?

Eles precisam envolver seus alunos ativamente.

Você acredita que o método Peer Instruction tem algum ponto negativo?

Se os instrutores tentarem usar o método tradicional e o Peer Instruction, será difícil. Então é importante conseguir tempo para utilizar somente o Peer Instruction. Fora isso, eu vejo poucos pontos negativos no método.

 

Autor

Ensino Superior


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