NOTÍCIA

Gestão

A (in)eficácia da regra

Para tentar conter a indisciplina de alunos, escolas criam códigos para estabelecer regras e regular punições. Especialistas acreditam, no entanto, que saídas pedagógicas são mais eficientes

Publicado em 04/02/2014

por Ana Paula de Deus Uchoa

iStockphoto

 
Cenas de indisciplina no ambiente escolar fazem parte do cotidiano de grande parte de alunos e professores. Atualmente, no entanto, a sensação é de aumento dos casos que evoluem para situações de violência – física e psíquica – entre colegas ou contra professores e funcionários. Na tentativa de regular a aplicação de penalidades aos alunos, instituições de ensino começam a elaborar documentos formais, como códigos de ética e de conduta, para a comunidade discente. A eficácia da legalização do comportamento estudantil, entretanto, é controversa.

Levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisas e Administração da Educação (IPAE) em 2012, por meio da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), apontou que, em um universo de 40 mil escolas particulares, cerca de 100 adotam códigos de conduta para seus alunos. De acordo com o presidente do IPAE, João Roberto Moreira Alves, advogado especialista em direito educacional, embora estejam crescendo, os termos código de conduta ou de ética são expressões ainda novas no país e não há literatura sobre o assunto.

#R#

Para exemplificar, o advogado compara os códigos de conduta ao código disciplinar usado comumente nos colégios militares, no qual estão descritas as penalidades aplicadas a cada desvio de comportamento. “[O Código Disciplinar] estabelece um processo para a aplicação da penalidade, como um código de processo penal, ou seja, tem normas mais específicas, prazos para defesa e para recursos. Já o código de conduta é um documento menos formal, geralmente adequado a cada faixa escolar e muitas vezes debatido com alunos, professores, pais e funcionários”. Para ele, as instituições que adotam esse tipo de documento são aquelas que desejam se proteger de possíveis questionamentos a respeito de providências que tomaram, como no caso de pais que exijam, até mesmo por meio da Justiça, a revisão da expulsão do filho do estabelecimento de ensino.

Já no código de ética, explica o advogado, que presta assessoria aos colégios que estão elaborando seus códigos, estão os princípios globais que regem a instituição de ensino. É um documento formal que pode levar, inclusive, à expulsão do aluno. A diferença é que diz respeito também a práticas realizadas fora da unidade escolar que não “condizem com os princípios da unidade”.

No final de 2013, o Projeto de Lei (PL) 267, que tramitava na Câmara dos Deputados desde 2011 e previa alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para incluir “a necessidade de observância aos códigos de ética e de conduta das instituições de ensino (.) e respeitar a autoridade intelectual e moral de seus docentes”, foi retirado da pauta da Comissão de Educação da Casa. Na prática, isso faz com que o PL tenha quase nenhuma chance de seguir em frente. De autoria da deputada Cida Borghetti (PP-PR), o projeto previa sanções para quem desrespeitasse as normas escolares, como suspensão por prazo determinado pela escola e, “em caso de reincidência grave, encaminhamento à autoridade judiciária competente”, no caso, a Vara da Infância e Juventude.

Vigiar e punir
Na opinião da advogada especialista em direito educacional Nina Ranieri, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), propostas como a do Projeto de Lei são ineficazes. Para ela, as normas de conduta escolar e a observância delas existem independentemente de qualquer previsão legal. “O espírito do ECA é estabelecer prioridades e políticas públicas, é garantir direitos em situações específicas, não é um documento voltado a vigiar e punir, muito menos um código penal ou de conduta”, diz. Para a advogada, a sensação de impunidade que permeia a sociedade brasileira acaba alcançando o ambiente escolar e leva a população a ter o desejo de solucionar problemas por meio da edição de novas leis.

O desembargador Antônio Carlos Malheiros, coordenador das Varas de Infância e Juventude de São Paulo, lembra que, mesmo não prevista em lei, é comum a prática de encaminhar alunos para a Justiça de Infância e Juventude em razão de algo que fizeram no ambiente escolar. Mas, para ele, a prática deveria ser repensada. “Muitas vezes um aluno agride um colega na escola e se a diretoria quiser encaminhar – evidentemente com o consentimento dos pais – para uma vara da Infância e Juventude, ela pode. Mas será que deve?”, pondera.

Para ele, há outros meios legais de lidar com o assunto, como a Justiça Restaurativa, pela qual se tenta resolver conflitos escolares no âmbito do próprio colégio, sem levá-los à Justiça, por meio de uma reunião da qual participam todos os envolvidos – no caso, agressor, vítima, pais, professores e direção da instituição – e onde se conversa e reflete sobre o que aconteceu e o agressor se desculpa, procurando estabelecer uma “cultura de paz”.

Denise Carreira, coordenadora do Observatório da Educação da ONG Ação Educativa, acredita que a indisciplina e a violência contra professores são um fenômeno “multifacetado”. Para ela, os desafios são buscar soluções pedagógicas para enfrentar o problema e não deixar os professores isolados. Para a professora de Sociologia da Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Angela Viana Machado Fernandes, o problema da indisciplina não é somente do estudante na escola, mas sim de toda a sociedade brasileira. “É uma sociedade corrupta, na qual se pode tudo”, diz. Ela acredita que muito do problema da indisciplina deve-se à falta de interesse dos estudantes pela maneira como o conteúdo é transmitido. “É necessário encontrar o que atrai o jovem e usar isso a favor do ensino”, defende. “Os professores precisam de suporte, de um coordenador pedagógico que consiga identificar os problemas ocorridos na sala de aula e ajudar o professor a encontrar maneiras de resolvê-los.”

Consentimento
Nas unidades do Colégio Sesi, em Santo André, no bairro Jardim Santo Alberto, o código de conduta é apresentado aos alunos e a seus pais no início de cada ano letivo. O documento está publicado no blog da instituição e tem como base o Regimento Comum da rede escolar Sesi e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Entre as infrações previstas estão o uso de palavras ásperas e provocações no relacionamento com colegas, professores e funcionários; danificar o patrimônio do colégio; e introduzir, nas dependências da unidade, bebidas alcoólicas. As punições vão desde advertência escrita até o desligamento da escola.

Para a administradora escolar Marina Dulce Siqueira, a participação dos estudantes no processo de revisão do Código – realizada a cada dois anos – faz com que eles se envolvam e se importem mais com as regras. A direção também aposta em medidas “preventivas”, como o projeto “Vamos Enfrentar a Violência na Escola”: os alunos usam uma espécie de broche nas camisas com a característica positiva que julgam possuir. “As respostas não podem vir apenas por mecanismos de repressão, mas por atitudes de prevenção, com projetos que promovam uma cultura democrática e o diálogo nas escolas”, diz Denise.

Para a professora de filosofia da Educação da Unesp, doutora em Fundamentos da Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Paula Ramos de Oliveira, “as escolas de uma sociedade complexa e violenta como a nossa tendem a trazer para dentro delas também essa complexidade e essa violência, que pode tanto ser física quanto simbólica, explícita ou velada”, afirma. “Se essa situação foge do controle, as escolas precisam colocar limites. Mas, as medidas serão são mais eficazes se realizadas com o consentimento da comunidade. “As normas instituídas e não discutidas podem não fazer sentido para os alunos e, consequentemente, ou elas não serão obedecidas, ou serão obedecidas automaticamente e de forma submissa”, reflete.

Ciclo de violência

Cada unidade de ensino tem autonomia para definir como organizará as regras de comportamento das pessoas que fazem parte da comunidade escolar. No Estado de São Paulo, as escolas públicas recebem orientação do Sistema de Proteção Escolar, da Secretaria de Educação, que editou em 2009 o manual Normas Gerais para Conduta Escolar, estabelecendo diretrizes para as regras de convívio
no ambiente de ensino.

Porém, ainda que tenham autonomia, há limites para o estabelecimento de regras e punições. Para a professora Angela Fernandes, da Unesp, a polícia, por exemplo, nunca deveria ter permissão de entrar na escola e retirar um aluno pois, do contrário, o colégio assume uma postura “policialesca”, deixando o ensino para segundo plano. Paula Oliveira, também da Unesp, acredita que é necessário criar um espaço de discussão entre todos os membros da comunidade escolar, colocando em evidência a necessidade de um comportamento ético acima de um disciplinar. “É preciso considerar que dependendo do modo como a escola institui essas normas ela mesma pode contribuir para uma situação de violência em relação aos alunos, ou seja, a instituição de normas pode ser ela mesma uma violência”, diz.

Autor

Ana Paula de Deus Uchoa


Leia Gestão

Luciana Machado

Estratégia de nicho: academia deve se aproximar do mercado

+ Mais Informações
Qualidade do curso, base para o marketing educacional

Qualidade do curso é a base para o marketing educacional

+ Mais Informações
Emergência climática

Pandemias, eventos extremos e processos internos das IES

+ Mais Informações
Autoavaliação

Autoavaliação – consenso e exigência

+ Mais Informações

Mapa do Site