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Um difícil caminho

Número de pessoas com deficiência matriculadas numa graduação cresce cinco vezes em dez anos graças a medidas de acessibilidade. Mas ainda falta muito para chegarmos ao ideal de ensino inclusivo por Patrícia Pereira O número de alunos com algum tipo de deficiência matriculados no ensino […]

Publicado em 09/01/2014

por Ensino Superior

Número de pessoas com deficiência matriculadas numa graduação cresce cinco vezes em dez anos graças a medidas de acessibilidade. Mas ainda falta muito para chegarmos ao ideal de ensino inclusivo

por Patrícia Pereira

183_38O número de alunos com algum tipo de deficiência matriculados no ensino superior cresceu quase cinco vezes na última década, passando de 5.078 estudantes, em 2003, para 26.663 em 2012, segundo dados do Censo da Educação Superior. Ainda assim correspondem a apenas 0,37% dos alunos que cursam graduações no país. Um baixo índice, especialmente se considerada a presença de deficiências diversas na população: de acordo com o Censo 2010 do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), 45,6 milhões de brasileiros têm alguma defi­ciência – 24% da população do país.

A lei já obriga as instituições de ensino a se adaptarem para garantir o acesso e a permanência de estudantes com qualquer tipo de deficiência, mas grande parte ainda está distante de ser considerada inclusiva – ou seja, acessível a todos os alunos.

De acordo com Romeu Kazumi Sassaki, consultor de educação inclusiva e autor do livro Inclusão: construindo uma sociedade para todos (WVA Editora), para ser considerada inclusiva, a instituição de ensino superior deve garantir acessibilidade total aos alunos, desde a inscrição e realização do processo seletivo até a frequência às aulas. Ele explica que a acessibilidade total abrange sete dimensões: arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática, atitudinal e natural.

Segundo Sassaki, esse processo tem sido implementado muito lentamente e, assim mesmo, por força de reclamações dos alunos e por ordens judiciais ou do Ministério Público. “No Brasil, por enquanto, nenhuma universidade ou faculdade apresenta todas as sete dimensões da acessibilidade. Mas muitas delas oferecem algumas das dimensões e estão trabalhando para ofertar as demais”, diz.

Experiência da casa
Um dos exemplos de instituição de ensino superior que caminha para alcançar a inclusão é o Centro Universitário Sant’Anna (UniSant’Anna). Sua história nesta área começou antes mesmo de entrar em vigor a legislação de acessibilidade, conta Maria Betânia Placucci Bari, pró-reitora da UniSant’Anna e coordenadora da área de Desenvolvimento de Educação Inclusiva. “Em 1997 inauguramos um centro de reabilitação que foi integrado ao nosso curso de fisioterapia. Os pacientes desse centro, que estavam ali para se tratar, começaram a frequentar nossos cursos como alunos. Foi quando começamos a pensar na acessibilidade do campus e a dar informações ao corpo docente e técnico-administrativo para receber esse público que agora vinha como aluno”, lembra Maria Betânia.

Com o tempo, a UniSant’Anna adaptou seus espaços, contratou ledores (para auxiliar alunos cegos ou com baixa visão), criou meios de ajudar estudantes que tinham dificuldade para escrever e montou um centro de informações. “A gente sentia que havia pouca informação sobre como lidar com as deficiências, então fizemos parcerias com entidades dessa área e cadastramos assessorias, serviços e produtos ligados à inclusão”, diz Maria Betânia. Com isso, o centro universitário começou a receber mais alunos com deficiências diversas e hoje possui cerca de cem estudantes nessas condições matriculados na graduação e pós, num universo de aproximadamente oito mil alunos.

Já na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puc-Campinas) o Programa de Acessibilidade (Proaces), criado há 16 anos, é um marco da instituição no apoio a alunos com deficiência. Carmem Sílvia Ventura, coordenadora do Proaces da PUC-Campinas, explica que a equipe do programa, desde o vestibular até a conclusão do curso, faz contato com cada aluno com deficiência para saber suas necessidades e tomar as providências exigidas caso a caso. Alunos com deficiência visual, por exemplo, podem utilizar materiais e impressora em braile, softwares de leitura ou mesmo de grafia ampliada; a melhor opção é decidida em conversa com o estudante. A ideia é que todos os textos indicados pelos professores se tornem acessíveis. O mesmo ocorre no caso de alunos com deficiência auditiva: a universidade garante a presença de intérpretes de Libras em todas as aulas e atividades ou, caso o estudante opte pela leitura labial, os professores são orientados sobre o melhor posicionamento em sala de aula e sobre como se comunicar com aquele aluno.

“Trabalhamos em parceria com o núcleo de tecnologia, com a biblioteca e com outros setores da universidade para ofertar todos os recursos disponíveis atualmente e para cuidar da infraestrutura, da arquitetura e da logística. Por exemplo, temos uma aluna com paralisia cerebral que, para digitar, usa uma ‘colmeia’ acoplada ao computador. Durante as provas, ela tem um tempo adicional garantido e é acompanhada por uma pedagoga que digita suas respostas”, conta Carmem. Outras adaptações arquitetônicas, como rampas, corrimãos, banheiros adaptados e mobiliário especial, têm sido feitas buscando atender os 38 alunos com deficiências que hoje estudam na universidade.

Questão de atitude
Segundo Sassaki, todas as instituições de ensino que acordaram para a inclusão já criaram pelo menos um setor voltado para essa área. No entanto, a mudança que ainda enfrenta maior resistência é de atitude. “Poucas instituições conseguiram vencer as barreiras atitudinais ou mesmo criaram programas para combater o preconceito ou a falta de informação sobre os alunos com deficiências”, diz Sassaki.

Cláudia Werneck, autora de 14 livros sobre diversidade e inclusão e fundadora da ONG Escola de Gente – Comunicação e Inclusão, concorda. Segundo ela, a principal barreira à presença de alunos com deficiência no ensino superior está relacionada ao despreparo de pessoal. “O grande problema é a formação de professores e gestores que continua levando as novas gerações de profissionais a se considerarem ‘despreparados’ para receber estudantes com deficiência em sala de aula, o que se configura em ato de discriminação”, diz.

Entre as instituições que conseguiram romper as barreiras atitudinais, Sassaki cita a Universidade Federal Fluminense (UFF), que desde 2005, com a criação do Sensibiliza – Núcleo de Acessibilidade e Inclusão, busca adaptar arquitetonicamente seus campi e cuidar de barreiras comunicacionais que existam para alunos com deficiência visual e auditiva. O núcleo atua para a sensibilização e informação de professores e funcionários a respeito de como lidar com pessoas deficientes. “Vimos que o maior problema era a falta de informação. Se não sabia, achava que era complicado e tinha resistência. Então nós passamos a ir às faculdades, levar o aluno, conversar com o professor e aí ele já mudava sua atitude”, diz Luiza Santos Moreira da Costa, uma das fundadoras do núcleo.

O Sensibiliza identificou os principais problemas enfrentados pelos alunos com deficiência, desde o vestibular, e buscou soluções e legislações que permitissem que essas soluções fossem implantadas – como uma hora a mais de prova para alunos com deficiência e o uso do soroban (calculadora para pessoas com deficiência visual) em avaliações. Conseguiu também bolsas para alunos de períodos mais adiantados com tempo disponível para atuar como ledores e copistas.

Luiza explica que a UFF sempre pensa em soluções aluno a aluno, de acordo com cada necessidade. “A ideia não é criar uma ‘sala de recursos’, com impressoras especiais, computadores com softwares de voz, presença de ledores e de copistas e outras possibilidades tecnológicas. O aluno tem de ficar onde funciona seu curso, onde está localizada a biblioteca de sua unidade”, diz.

Essa ideia vai ao encontro do ideal de inclusão, que não visa criar falsos privilégios para alunos com deficiência, como dispensá-los de certas disciplinas que apresentem algum obstáculo a ele, e sim promover condições para que o estudante participe de todas as atividades. “Mudar o aluno de sala ou de curso, por exemplo, não é considerado inclusão. É uma medida que separa e a proposta da inclusão é juntar”, afirma Sassaki.

O que diz a lei
Há uma série de leis federais e normas internacionais que garantem o direito ao acesso e à permanência de alunos com deficiência nas instituições do ensino superior. No Brasil, as condições de acessibilidade em estabelecimentos de ensino foram determinadas por decreto em 2004, regulamentando legislação anterior. Veja a relação completa das orientações do Ministério da Educação no site da revista (www.revistaensinosuperior.com.br).

 

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