Na universidade, docentes, estudantes e militantes encontram ambiente para uma intensa discussão sobre as instituições políticas e os significados de ocupar o espaço público
Publicado em 15/07/2013
Desde o final de junho, já depois da revogação do aumento da tarifa em São Paulo, não têm sido poucos os debates marcados pela cidade sobre o mesmo assunto: as mobilizações que tomam conta do Brasil e abrem uma nova perspectiva de atuação popular. E foi justamente este o tema de um encontro organizado por estudantes e professores na Universidade de São Paulo, no último dia 25, que levou para a mesa de discussão o geógrafo e professor da rede municipal João Victor Pavesi, os estudantes e militantes de movimentos sociais Erica de Oliveira, do Movimento Passe Livre, e Pedro Serrano, do Diretório Central dos Estudantes da USP, além do professor Vladimir Safatle, da Faculdade de Filosofia da USP, e do engenheiro Lúcio Gregori, que, durante a prefeitura de Luiza Erundina (1989-1992), esteve no cargo de secretário de Transportes de São Paulo e propôs o projeto Tarifa Zero.
“A fim de problematizar um pouco, eu deixo essa questão: como nós podemos – a universidade – nos envolver com esse processo, tanto através do pensamento, da crítica, da intelectualidade, quanto da ação, nessa disputa por um projeto de cidade?”, questionou o professor João Vitor, levantando o debate. Para ele, o principal aprendizado é que uma população muito heterogênea, formada por grupos sociais e etários diferentes, mas, sobretudo, por uma maioria jovem, conseguiu se mostrar sujeito ativo no processo político.
O engenheiro Lúcio Gregori, que continua defendendo a proposta do Tarifa Zero por meio da discussão de uma reforma tributária, afirma acompanhar de perto a atuação do Movimento Passe Livre e acredita que a mobilidade foi o estopim de um amplo debate sobre os serviços públicos no Brasil. “Poderiam melhorar e muito e vão exigir mais dinheiro de quem tem dinheiro. Não há dúvida de que essa é a grande questão hoje na sociedade”, avalia. Para ele, uma mesma dúvida do início das manifestações permanece em relação aos representantes: “Será que o prefeito e o governador não poderiam dizer, no semestre seguinte, a taxa de lucro das empresas que prestam serviço na cidade de São Paulo?”.
A continuação dos questionamentos às ações dos atuais governantes revela na prática o que é um sentimento expresso pelo estudante Pedro Serrano, do Diretório Central dos Estudantes da USP. “É necessário reconhecer que nós somos de uma geração que cresceu completamente desiludida com qualquer ferramenta partidária, não tem referência política de esperança na transformação e na mobilização social através de um partido, que se acostumou a ver o PT como partido e não como oposição”, diz. Para ele, sua geração clama por diferentes maneiras de organização dos partidos. “Mas não podemos de deixar de debater que organização política é muito importante e que foi uma conquista democrática do nosso país um movimento poder se organizar politicamente e sair na rua com a bandeira que ele quiser. E que, além disso, a própria forma do partido está sendo questionada de acordo com a forma dos velhos partidos, mas que existem diversas maneiras de organizar partidos e de formular políticas”, afirma.
O professor Vladimir Safatle, da Faculdade de Filosofia da USP, vai além. “Nosso modelo de democracia parlamentar acabou, não existe mais. É claro que ele pode continuar, mas coisas que acabam podem continuar durante décadas, durante séculos. Mas o que acabou acabou. Ou seja, não adianta esperar mais nada no que diz respeito a uma experiência realmente democrática através desse enquadro institucional que nós vemos hoje. Todas essas discussões sobre democracia direta, de construção de uma experiência efetiva de democracia direta, de mobilização a partir de outras formas de organização, de outros arranjos institucionais, isso veio para ficar. Pode demorar ainda para produzir algum resultado, porque sempre vai ter alguém que vai falar ‘não, mas como assim vamos deixar de governar com um Congresso?’, ou alguma coisa nesse sentido”, acredita.
Safatle avalia que todas as manifestações recaem sobre a oferta de serviços públicos de qualidade e como os políticos tratam essa demanda. “Aqui no Brasil nós encontramos uma espécie de sintoma fundamental, como o Gregori mostrou: a ponta do iceberg da distorção completa da estrutura tributária brasileira e da maneira como as cidades do Brasil funcionam. Da maneira com que nós vamos deixando o poder político ser permeado por máfias completamente obscuras, que vão construindo cartéis no Brasil inteiro, que vão desagregando as estruturas do transporte público”, aponta. “Nós encontramos isso na tarifa do transporte público, os chilenos encontraram isso através do imbróglio da educação pública, mas é sempre o mesmo tipo de questão, contra essa ideia liberal de que você não deve ter um Estado capaz de dar serviços públicos de qualidade e gratuitos para toda a extensão da população”, afirma, destacando a notícia de que nos últimos dez anos o número de passageiros em São Paulo duplicou e o número de ônibus diminuiu.
Atrasada para o debate por causa do trânsito, a estudante de história Erica de Oliveira, militante do Movimento Passe Livre, que se proclama apartidário, não fala em partidos. Ela discursa pelo exercício de pensar uma cidade sem catracas e o que isso mudaria na vida das pessoas. “Porque é numa cidade assim que as pessoas vão ter acesso a todos esses equipamentos públicos como hospital, escola, centro cultural. Pra esse processo de mobilização, revogar o aumento é importante porque numa cidade sem catracas as pessoas podem de fato se organizar dentro dela para mudar qualquer outra coisa”, propõe.
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