NOTÍCIA
Para introduzir os tablets no ensino é preciso adaptar os conteúdos e planejar aulas dentro de um novo modelo, mais ágil e menos focado no professor
Publicado em 08/11/2012
Portáteis e com grande autonomia de bateria, os tablets pouco a pouco estão chegando às escolas. Só o Ministério da Educação vai comprar 900 mil deles até o final deste ano. A grande questão que paira no ar é: será que os tablets vão substituir os livros didáticos? Alguns especialistas apostam que sim, outros que serão apenas um complemento. O que não deixa dúvida é que a adesão das escolas ao mundo digital – tendo o tablet, em especial, na base dos trabalhos – é um caminho irreversível. Para acompanhar as mudanças e introduzir essa nova plataforma no ensino é preciso adaptar os conteúdos e planejar aulas dentro de um novo modelo, mais ágil e menos focado no professor.
Em 2010, quando os primeiros tablets chegaram ao Brasil, as vendas foram de 110 mil aparelhos. No ano seguinte, esse número saltou para 800 mil. A projeção para este ano, segundo a IDC, empresa especializada em consultoria sobre Tecnologia da Informação, é de que sejam vendidos 2,5 milhões de tablets. Com o crescimento das vendas de tablets no Brasil, a chegada desses aparelhos às escolas é mais do que esperada. Walther Castelli Júnior, diretor do Sistema de Ensino Integral – escolas inteligentes, estima que em não mais de cinco anos o uso de tablets em escolas terá crescido de modo bastante significativo.
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Disseminação
Hamilton Werneck, pedagogo e escritor que faz palestras sobre Educação e Motivação, compartilha essa visão. Segundo ele, o crescimento exponencial da venda de tablets vai levá-los às escolas e a disseminação de seu uso em sala de aula só não será mais rápida porque no início os professores podem apresentar certa resistência devido à formação que tiveram, sem a presença desta tecnologia. “Mas em três anos isso muda. Os próprios alunos vão forçar o uso e as escolas vão introduzir o tablet para não ficarem para trás”, diz Werneck.
A introdução dos tablets no ensino faz parte de um processo cultural, acredita Pablo Doberti, diretor global do Uno Internacional. Para ele, quando professores e alunos têm o aparelho e há conteúdo disponível, a disseminação é rápida, a exemplo do que tem ocorrido no México, onde 130 mil alunos já estudam tendo por base o modelo do Sistema Uno de Ensino que utiliza o aparelho. “Todos têm aprendido fazendo. Nem falamos em capacitação e sim em implantação do modelo”, diz Doberti.
Armazenado no tablet, o livro digital diminui o peso e o volume a ser transportado todos os dias pelos alunos, além de contribuir para o desenvolvimento sustentável, com a diminuição da produção de papel e tudo o que ela envolve, defende Castelli.
Livros digitais
Mais do que isso, o livro no formato digital traz um grande leque de recursos que podem ser úteis para o ensino em diversas esferas. O aumento do tamanho das letras e das imagens, por exemplo, é um deles, pois permite o atendimento a alunos com necessidades especiais. Outra vantagem é ganhar agilidade e diminuir custos na atualização das informações contidas no livro didático. A lista é extensa, lembra Castelli. Há uma série de novas possibilidades, como a conexão imediata, por meio de ferramentas de pesquisa, da informação que se encontra no livro com outras informações sobre o mesmo assunto disponíveis na internet, o que multiplica as fontes de conhecimento disponíveis para o estudante; a conexão da informação escrita com informações sonoras, visuais, estáticas ou em movimento; a possibilidade de interação dos aprendizes entre si e com seus professores; e a possibilidade de a escola distribuir mais facilmente para os alunos informações relativas à sua vida acadêmica, tais como tarefas e trabalhos escolares, notas, mudanças no horário das aulas, etc.
“Se no caso dos livros de interesse geral, especialmente os de literatura, de poesia e de artes, o processo de migração para o formato digital pode ser mais lento devido ao apego que os bibliófilos tendem a ter pelo livro convencional. No caso dos didáticos creio que a tendência para essa migração seja mais forte e definitiva”, diz Castelli.
Doberti e Werneck preferem apostar no uso de livros digitais como um complemento ao livro didático tradicional e não como um substituto. Para Werneck, o mundo está cada dia mais interativo e o tablet, com o livro digital, vai sim entrar em sala de aula, mas há limitações que vão impedir o fim do livro impresso. “A tela do computador emite luz, o que irrita mais a vista e leva à perda de detalhes do que é lido. É diferente da folha de papel”, diz Werneck.
Ensino interativo
O uso do tablet na escola, no entanto, representa muito mais do que a simples transposição de livros didáticos do papel para a tela. A chegada do tablet altera a forma de ensino, que ganha contornos mais interativos. Isso porque o aparelho pode ser usado em diversas atividades em sala de aula, como para pesquisar na internet, acessar conteúdos de atualidades, receber via wi-fi as aulas preparadas pelos professores e usar aplicativos educacionais, como tabelas periódicas dinâmicas, dicionários e simuladores. Também modifica a relação do aluno com o estabelecimento de ensino. Ele permite que o estudante consulte os horários da escola, com calendário de provas e de eventos, e receba informações e avisos da escola por e-mail, explica Castelli, usando como base o que já vem sendo feito em sala de aula com dois mil alunos de escolas ligadas ao Sistema de Ensino Integral.
Com a introdução de um aparelho tão dinâmico em sala de aula, o temor de muitos educadores é de que os alunos fiquem mais dispersos. Segundo Castelli, se usado de maneira inadequada, o tablet pode sim provocar essa dispersão, mas há como evitar o problema. “Se forem abandonados a si mesmos, os alunos podem ficar tão dispersos como ficam com o livro impresso. A escola tem de continuar responsável pela estruturação do trabalho educacional, tratando de engajar os alunos nas atividades escolares, direcionando sua atenção e seus esforços, para que não se dispersem e façam sua parte no trabalho da aprendizagem”, explica Castelli.
Doberti vai além. Para ele, o que chamam de dispersão é a capacidade que a atual geração possui de manter múltiplos focos de atenção ao mesmo tempo, o que é parte da cultura digital. “A escola tem a cultura do foco e por isso fala em dispersão, mas é um nível mais sofisticado de multiatenção”, diz.
Novos modelos
Werneck considera ser preciso inventar um novo modelo de ensino que considere as necessidades do jovem atual e o tablet está no cerne deste novo modelo. Mas adverte que não se pode deixar o aluno abrir o computador e fazer o que quiser. “Isso não o levaria a adquirir uma formação sólida e sim uma cultura de migalhas”, diz. Para Doberti, ainda é cedo para que o uso do tablet nas escolas seja liberado e sem controle algum. Ele aposta em fases neste processo de introdução do tablet nas salas de aula. Os primeiros passos exigem uma gestão da internet, por exemplo. “Por enquanto, não permitimos sites como YouTube e Facebook em sala de aula, o ambiente é controlado. Para adicionar o digital, a cultura de seu uso na escola precisa ir maturando, a internet vai sendo aberta aos poucos.”
Apesar de requerer a formação desta cultura digital na escola, o tablet é visto como “o aparelho da Educação”. Três são as razões para isso, explica Doberti. A primeira está ligada ao seu formato. Como permite que a tela seja usada sobre a mesa na posição horizontal (como o caderno apoiado), o tablet não provoca o isolamento de seu usuário – não impede a visão ou a fala -, com isso, o nível de conexão entre o professor e o aluno pode ser mantido. Em segundo está o nível de autonomia do aparelho, que funciona várias horas sem precisar recarregar, o que evita ter de equipar todas as salas de aula com vários cabos ou tomadas. A terceira vantagem é o uso ser intuitivo, o que permite o manuseio até por crianças pequenas.
Multidisciplinar
O tablet, aliás, é visto como um aparelho que pode ser usado da Educação Infantil ao Ensino Superior e em todas as disciplinas. “Desde a mais tenra idade as crianças são capazes de interagir com os tablets em experiências de aprendizagem. Não há restrição no que diz respeito às faixas etárias, observando, de qualquer modo, que continua a caber à escola e aos professores a estruturação do trabalho de desenvolvimento humano, com suas metas e objetivos, que é o que se busca no trabalho educativo”, diz Castelli.
Quanto às disciplinas, também não há restrições para o seu uso. Castelli lembra que até mesmo para Educação Física os tablets têm sua função. Por meio dele o aluno pode encontrar mais facilmente orientações sobre o cuidado de si e do corpo, por exemplo.
“No que diz respeito quer aos aplicativos educacionais, quer aos conteúdos disponíveis na web, todas as disciplinas encontram no tablet uma poderosa ferramenta de aprendizagem”, diz Castelli.
Mas se por um lado o uso dos tablets desde os primeiros anos do ensino traz numerosas novas possibilidades e recursos, sua introdução deve ser feita com cautela e planejamento porque também pode trazer prejuízos ao aluno.
Dobeti adverte que usar o tablet em sala de aula requer uma série de cuidados. “Ele deve estar presente em sala, mas não de forma permanente. Há aulas em que o tablet não agrega nada. O processo pedagógico é complexo, composto de várias atividades e o tablet não é adequado para todas elas”, explica Doberti.
A perda de algumas habilidades, como a escrita cursiva, também é uma preocupação especialmente entre os educadores e pais. Segundo Werneck, países como a Alemanha já permitem que a criança seja alfabetizada por meio do tablet, o que pode comprometer habilidades grafomotoras.
“Os neurônios pré-frontais amadurecidos se conectam com a ponta dos dedos e permitem a grafomobilidade, que está ligada às habilidades de desenhar, pintar, fazer escultura, tocar um instrumento musical e escrever – toda atividade que usa a ponta do dedo, a motricidade fina. Se abandonarmos a escrita cursiva, um dos elementos para desenvolver essa grafomotricidade, precisaremos desenvolver as outras habilidades”, adverte Werneck.
Os tablets vão substituir os livros digitais? | |
SIM “Se no caso dos livros de interesse geral, especialmente os de literatura, de poesia e de artes, o processo de migração para o formato digital pode ser mais lento devido ao apego que os bibliófilos tendem a ter pelo livro convencional, no caso dos didáticos creio que a tendência para essa migração seja mais forte e definitiva” |