Nem todo mundo retorna à escola onde estudou de arma na mão: alguns preferem câmeras cinematográficas. É o caso do diretor Toni Venturi (
O velho, Latitude Zero ), que relata em
Vocacional: uma aventura humana (2011), recém-exibido no festival de documentários É Tudo Verdade, a experiência dirigida pela educadora Maria Nilde Mascellani nos anos 60.
A partir de 1962, Maria Nilde, ex-aluna de Florestan Fernandes, foi mentora da proposta dos ginásios vocacionais, implantada em seis unidades da rede pública paulista, tendo como objetivo uma formação que contemplasse aspectos variados do conhecimento, visando a fazer do educando sujeito de sua história, em consonância com o personalismo do filósofo francês Emmanuel Mounier (1905-1950).
Numa época de grande experimentação, os vocacionais introduziram novidades hoje comuns, como o estudo do meio e a pedagogia de projetos, além de disciplinas complementares voltadas ao mundo do trabalho (artes industriais, economia doméstica etc.).
No filme, Venturi mistura uma narrativa em primeira pessoa a imagens de arquivo (há quatro filmes sobre os vocacionais e muito material fotográfico) e depoimentos de ex-alunos e ex-professores. Na grande maioria, daqueles que estudaram na unidade do Brooklin, na capital (Escola Estadual Oswaldo Aranha).
Discurso e memória afetiva A unir esses elementos, o diretor constrói um discurso de defesa da qualidade da escola pública, citando a experiência como exemplo do que poderia ser a educação e questionando o porquê de seu fim, decretado pela ditadura militar. Nessa construção, relata diferenciais da escola, como a dedicação exclusiva dos professores, os seis meses de treinamento que antecediam o ingresso na docência, os salários por vezes maiores que de seus pares da universidade, o trabalho concebido de forma coletiva, o clima libertário.
Em vários depoimentos, muitos mencionam a chave do projeto: o ideal de formar alunos críticos, questionadores, que soubessem pensar. Mas, apesar de suas boas intenções,
Vocacional parece distanciar-se do cerne do objeto que analisa: eivado pelo clima da memória afetiva, o filme mais afirma do que pergunta; usa a música para ganhar a adesão emocional do espectador; mostra apenas alunos bem-sucedidos na vida; faz das imagens de arquivo ilustrações do discurso verbal e não deixa margem para que o espectador tire suas conclusões sobre a proposta, entregando-as prontas. Acaba, em contradição com o que defende, ancorando-se numa retórica tradicional.