Visão dominante sobre a tecnologia na educação é restrita e exclui possibilidades importantes
Publicado em 10/09/2011
Descendo a escada, obra da artista Regina Oliveira, disponível na Enciclopédia de Arte e Tecnologia do Itaú Cultural |
Ao tratar do tema da tecnologia educacional e suas conseqüências para a aprendizagem, é importante examinar as concepções sobre esse assunto, assim como suas decorrências, como restrições a elas associadas.
Em primeiro lugar, observa-se com freqüência que as pessoas concebem tecnologia educacional como limitada apenas ao uso do computador na escola, incluindo, no máximo, o uso de audiovisuais como a TV e o DVD. Essa concepção exclui outras tecnologias educacionais importantes, como o ensino programado, mapas conceituais, arranjo de conceitos etc. Assim, são esquecidas técnicas e outras aplicações pedagógicas importantes porque são fundamentadas em uma concepção de aprendizagem e verificadas via pesquisa empírica. Além disso, como se examinará mais adiante, essas aplicações podem nos ajudar a melhor usar o computador no ensino.
Outra concepção que vale ser examinada, associada à restrição da tecnologia educacional ao computador, é o motivo para a sua inserção na escola. Freqüentemente encontramos argumentos que defendem o uso do computador na escola em função do envolvimento cotidiano dos alunos com essa tecnologia, o que a obrigaria a atualizar-se para motivá-los.
Formar o aluno, em especial o de menor poder aquisitivo, para usar a tecnologia é inquestionável. Porém, o uso com o intuito principal de motivá-los para as atividades escolares é, no mínimo, discutível. Isso porque a motivação pode se tornar um fim em si mesma, em prejuízo da aprendizagem. O educador deve sempre se perguntar por que ministrar um dado conteúdo, que objetivos pretende cumprir com isso, que meios e recursos instrucionais são os mais propícios para favorecer a aprendizagem, evitando assim abordar um assunto, ou usar um determinado recurso simplesmente para motivar o aluno.
Uma última limitação destacada por educadores diz respeito à forma de utilização, com a supervalorização de alguns usos em prejuízo de outros, o que será mais bem explicado a seguir, tomando o computador como exemplo.
O computador tem sido usado, desde a sua introdução nas escolas na década de 80, basicamente das seguintes formas: 1) como recurso auxiliar à instrução, por meio de exercícios para fixação de conteúdo e simulações; 2) como recurso à aprendizagem do aluno, como programação ou solução de problemas e, mais recentemente, por meio do uso de editores de texto para redação e pesquisa em sites. Essas últimas são formas mais abertas e menos estruturadas, em que o aluno é mais autônomo para definir seu objeto e dirigir sua aprendizagem.
O uso do computador como recurso instrucional consiste na apresentação de textos, exercícios sobre o conteúdo curricular com os quais o aluno vai interagir. Encontrou forte oposição, já na década de 80, da parte de educadores que consideravam essa transposição uma forma informatizada de instrução programada, em conformidade com a proposta dos comportamentalistas. Objetavam que, além de a atividade basear-se em uma concepção de aprendizagem associacionista e mecanicista, reduzia-a a mera memorização. Era, por essa razão, uma utilização pouco compensadora em termos de custo-benefício.
A nosso ver, o argumento realmente procede se a participação do aluno se resumir a uma repetição literal do que foi ensinado, e mais ainda, se a avaliação da resposta realizada pelo computador se restringir à correção da mesma, sem explicitar o motivo para tal. Por outro lado, se tal repetição literal não é demandada, pois a resposta é analisada por meio de recursos mais sofisticados, como ocorre quando há verificação da presença de algumas palavras-chave, e o computador, após essa análise, remete o aluno a uma revisão específica, ou simula o que ocorreria caso a resposta do aluno fosse efetivamente implementada, os ganhos de aprendizagem não são desprezíveis, principalmente em atividades de ensino a distância.
Isso porque o aluno exercita o que aprendeu no próprio ritmo, recebe informação sobre seu desempenho enquanto ainda se recorda dos motivos que o levaram a responder de uma determinada maneira. Tem, assim, a possibilidade de avaliar e reestruturar o seu conhecimento em função de resultados concretos de sua ação, enfim, pode haver um ganho de aprendizagem significativo de conteúdos como conceitos, princípios, regras.
Outra modalidade interessante para auxiliar a instrução são as simulações, aplicação adequada a fenômenos que não podem ser manipulados, como intervir sobre o pulso ou a freqüência de uma onda elétrica e observar as modificações resultantes. Esse tipo de aplicação permite compreender a interação de uma multiplicidade de variáveis que intervém sobre um dado fenômeno.
A forma alternativa de uso do computador na escola, como recurso de aprendizagem, também começou na década de 80. A programação com Logo, uma linguagem idealizada para executar gráficos na tela, por meio de comandos simples e em linguagem natural, é uma das aplicações mais conhecidas. O interesse dessa modalidade é a natureza da tarefa, que, dirigida pelo aprendiz, permite que observe diretamente o resultado de sua ação, confronte-o com suas expectativas, reveja seu processo de pensamento e reestruture seus conhecimentos à luz de outros recém-adquiridos.
Outra modalidade de tarefa, coerente com essa concepção mais aberta, é a pesquisa de assuntos variados na internet. Atualmente, qualquer assunto pode ser pesquisado na rede, encontrando-se informação abundante e variada.
Entretanto, cabe frisar a importância de essas atividades do aluno serem acompanhadas pelo professor, tanto aquelas de pesquisa como as de programação. É essencial que, antes de dar início à atividade, o professor forneça conhecimentos que permitam ao aluno interagir de modo bem-sucedido com a informação. Além disso, é necessário que, no caso da pesquisa, o docente ajude o aluno a desenvolver uma postura crítica em relação à qualidade da informação encontrada, buscando fontes confiáveis. Em suma, o professor não dirige a atividade, mas intervém quando necessário, de modo a facilitar a aprendizagem.
Concluindo: a inserção da tecnologia na escola reacende velhos debates ainda não resolvidos na educação sobre o papel da instrução na aprendizagem. Como a psicologia tem demonstrado, não existe uma única forma de aprender e, por conseqüência, não pode haver uma única forma de instrução.
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Maria Isabel da Silva Leme
é professora livre-docente do Instituto de Psicologia/USP, onde leciona Psicologia da Aprendizagem