Ex-ministro da Educação sucumbe ao senso comum ou cede ao discurso da conveniência?
Publicado em 10/09/2011
Num jornal diário, li a notícia: “Professores, pais e estudantes do Rio de Janeiro protestaram contra a resolução da Secretaria Municipal de Educação, que acabou com os conceitos de ‘ótimo’ e ‘insuficiente’ na avaliação dos alunos do Ensino Fundamental. Com isso, os 591 mil estudantes da rede municipal não podem mais ser reprovados. O Sindicato dos Profissionais de Educação do Rio vai entrar com ação no Ministério Público para revogar a decisão”.
Como sindicalista, senti-me traído. Como professor, envergonhado. Não é fugindo para a frente que se valorizará a imagem social da nossa profissão – é encarando os desafios de frente. A resolução 946 vem fora de tempo, é mera distracção de políticos, mas os professores não devem deitar fora o menino com a água do banho… dever-se-á aproveitar a oportunidade para debater o assunto.
A taxa de repetência na primeira série do ensino fundamental no Brasil não andará longe dos 40%. Muitos chegam à quarta série sem terem aprendido a ler. E logo se aponta a “progressão continuada” como responsável, esquecendo que os estados com maior taxa de repetência não adoptam o sistema de ciclos nem a dita “aprovação automática”.
No mesmo jornal, mas há mais de três anos, também li: “A organização pedagógica consagrada é baseada na avaliação constante e não em notas e repetência. Mas a implantação é falha. É mais uma história da boa idéia que foi mal aplicada e mal entendida. A falta de discussão e preparação para a organização pedagógica em ciclos e a progressão continuada manchou o nome de uma concepção de educação consagrada. Muitos pais, professores e até o presidente da República ainda não entendem a proposta”. A memória é curta. E, talvez por isso, ouvi uma professora exclamar: “Que bom que ainda há aluno repetindo o ano! Isso prova que ainda há escolas sérias que exigem aprendizagem!” Eu não queria acreditar no que escutava. Quanta confusão entre “reprovação” e… “seriedade”!
Mais frustrante foi o que observei em um congresso realizado no Rio, dias depois. O ambiente da sala era tenso e a pergunta dirigida aos palestrantes, esperada: “Os senhores são a favor ou contra a progressão continuada?” A uma pergunta directa deverá corresponder uma resposta directa. Porém, os palestrantes não disseram “sim”, nem “não”. Responderam “nim” e fizeram uso de um discurso de desculpabilização, que muitos professores adoram. Agradaram e foram ovacionados.
Felizmente, duas vozes autorizadas tomaram posição. Rose Neubauer veio dizer-nos que “a reprovação feita nas escolas públicas não recupera deficiências e torna-se uma condenação ao fracasso” e que “a aprovação automática não existe no Brasil”. Em contraponto, Cristovam Buarque afirmou que: “A promoção automática é uma prova do desprezo brasileiro pela educação. É como dar alta a um doente sem os devidos exames”.
As palavras de Cristovam Buarque fizeram-me recordar a clássica pergunta: se a melhor escola é a que mais alunos reprova, o melhor hospital será o que mais doentes mata? Para gerar confusão, já bastam os comentaristas que derramam nas colunas dos jornais a sua igorância do fenômeno educativo. Cristovam Buarque é um dos poucos políticos brasileiros em que reconheço competência para falar de educação. Não acredito que tenha sucumbido à ditadura do senso comum, ou cedido ao discurso de conveniência. Cristovam é uma pessoa séria. Mas até no melhor pano cai a nódoa…