O ano de 2009 marca os quatro séculos das observações de Galileu Galilei que mudaram a ciência. Observação do espaço e dos planetas ajuda estudantes a entender fenômenos da natureza
Publicado em 10/09/2011
Um telescópio com filtro que barra quase 100% da luz solar permite a observação do céu, como o oferecido do Ibirapuera (SP) |
Observar o céu à noite é repetir um antigo gesto humano. Foi a partir dele que começamos a contar a passagem do tempo. Olhando para cima, tentamos desvendar nossas origens – seja criando mitos ou teorias, como a do Big Bang. E foi com a observação do céu que diversas áreas da física e da química surgiram. Mas olhar para o céu com um telescópio em 2009 é também homenagear Galileu Galilei, que realizou as primeiras observações telescópicas dos astros 400 anos atrás. Para comemorar a data, este foi proclamado o Ano Internacional da Astronomia (AIA 2009) pela Organização das Nações Unidas (ONU) e por iniciativa da União Astronômica Internacional, com a realização de eventos culturais e educacionais em diversas cidades do Brasil e do mundo.
Espera-se, com isso, proporcionar a 1 milhão de brasileiros a chance de ver o céu com um telescópio, como fez Galileu. A partir do fascínio causado por essas descobertas astronômicas, o AIA 2009 quer aproximar as pessoas da ciência, difundir a mentalidade e a educação científica nos jovens e atraí-los para a pesquisa. "Planetários, universidades e clubes de astronomia estão organizando, em todo o país, atividades, como programas de observação do céu e palestras", conta João Batista Garcia Canalle, astrônomo e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
"Em suas observações, Galileu Galilei viu as crateras da lua, as manchas do sol e constatou que a faixa esbranquiçada que formava a Via Láctea era composta por inúmeras estrelas", relembra Canalle.
A Terra sai do centro
Galileu também notou que o planeta Vênus possuía fases, como a lua, e que, portanto, devia girar ao redor do sol. "Ele ainda descobriu quatro estrelinhas que acompanhavam Júpiter e observou que eram luas que giravam em torno do planeta, e não ao redor da Terra", conta Canalle. Essas evidências reforçavam os argumentos em favor do sistema heliocêntrico, que propunha que a Terra (e os demais planetas do sistema solar) girava em torno do sol. Naquele período, o modelo mais aceito era o geocêntrico, para o qual a Terra estaria no centro do Universo e o sol e os demais astros orbitariam em torno dela.
As novas descobertas tiveram enorme repercussão e foram recebidas com entusiasmo por cientistas como Johannes Kepler. Esses indícios experimentais, observados por Galileu, levaram-no a manifestar-se abertamente a favor do modelo heliocêntrico de Nicolau Copérnico. Por defender essas ideias, Galileu teve problemas com a Igreja Católica, adepta do modelo geocêntrico, e foi obrigado a negá-las publicamente.
Da mitologia aos cálculos matemáticos
A astronomia pode ser usada também nas aulas de geografia, filosofia, física, química e até matemática. "É uma ciência transdisciplinar, que impulsiona diversas outras e desperta grande interesse dos alunos", ressalta o astrônomo Marcos Calil, que, além de atuar no Colégio Magno, em São Paulo, auxilia as sessões do Planetário da cidade e é chefe da Escola Municipal de Astrofísica de São Paulo.
"A observação das constelações de Órion (o guerreiro) e Touro, por exemplo, pode servir de base para a apresentação dos mitos gregos ou até dos indígenas brasileiros. Para os tupis, essas estrelas representam um Homem Velho. Esses dois modos de ver o céu mostram as diferenças entre os povos e ajudam a entender sua cultura e modo de vida", exemplifica Calil.
Esse mesmo exemplo enseja ainda outras questões. "Em matemática e física, pode-se calcular a distância a que estamos desses astros, medida em anos/luz. Em filosofia, podemos pensar que ao observar aquelas estrelas estamos olhando para o passado, pois o brilho que chega hoje até nós viajou na velocidade da luz e foi emitido há milhares de anos", lembra o astrônomo. Já a matéria de que somos feitos, os átomos das diversas substâncias existentes em nosso planeta, estudados pela química, foram formados no interior de estrelas. O carbono e o nitrogênio que compõem os seres vivos, por exemplo, foram constituídos por estrelas extintas muito antes do surgimento do nosso sistema solar.
Em suas aulas de física, Ednilson Oliveira, professor do mesmo colégio paulistano, conta que, a partir da astronomia, busca tratar de diversos assuntos e não apenas as leis de Kepler e da gravitação universal. "Posso abordar como é a física no espaço, por exemplo, e comparar a diferença na queda dos objetos", diz o professor. "Existem até vídeos no YouTube demonstrando os efeitos da ausência da gravidade que podem interessar aos alunos."
Oliveira está elaborando, com professores de geografia, uma aula sobre as origens e a formação da Terra utilizando conceitos astronômicos. Em 2008, ele foi a Portugal com dois alunos do Magno para representar a escola, com um projeto de astronomia, no Encontro Internacional de Jovens Cientistas do Programa das Escolas Associadas (PEA) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Pouca tradição no ensino
Apesar do fascínio que exerce sobre os alunos e de sua abrangência, a astronomia ainda é pouco trabalhada nas escolas. Para o astrônomo João Canalle, os currículos escolares abordam o assunto de forma insuficiente e os professores se mostram inseguros também para discuti-lo. "No ensino fundamental são apresentados em um ou dois capítulos fenômenos como as estações do ano, as fases da lua e o que são planetas, meteoros e eclipses. Já no ensino médio, apenas as três leis de Kepler e a da gravitação universal são estudadas", ressalta.
Um dos principais objetivos de projetos como a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) é colaborar com a formação do professor. As escolas inscritas na OBA recebem material didático e propostas de atividades práticas para auxiliá-las no ensino de diversos temas relacionados à astronomia. Em 2009, todas as escolas participantes receberão gratuitamente uma luneta e um CD com a história do telescópio. Só neste ano serão distribuídas 30 mil medalhas como forma de estimular o interesse pelo tema.
"Muitos professores têm receio de inscrever seus alunos na Olimpíada por medo de que tenham notas muito baixas, mas essa pode ser uma ótima oportunidade para o aprendizado. Além disso, não divulgamos nenhum ranking comparando as escolas", ressalta Canalle.
Fotografando o céu
A tarefa de construir um foguete que obtivesse o máximo de alcance com um frasco de desodorante, água, vinagre, bicarbonato de sódio e um palito de dente mobilizou os estudantes da Escola Estadual Patriarca da Independência, de Vinhedo, São Paulo. A atividade realizada no último ano foi proposta pela Olimpíada Brasileira de Foguetes, também promovida pela OBA. Este, entretanto, não foi o primeiro contato dos alunos da Patriarca da Independência, que também participaram da Olimpíada de Astronomia, com o estudo dos astros.
Operar telescópios a distância e captar suas imagens digitalmente são atividades comuns para os alunos de Maria Clara Amon, professora de física. Sua escola participa do projeto Telescópios na Escola, que permite a instituições do ensino fundamental e médio operar remotamente os equipamentos e fotografar planetas, estrelas e galáxias, entre outros fenômenos. Além da própria astronomia, o projeto incentiva os professores a utilizar as imagens para trabalhar outras disciplinas.
"As fotos podem funcionar para atrair os alunos para o estudo de temas da física ou da matemática considerados mais áridos, por exemplo", explica Jane Gregorio-Hetem, professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e uma das coordenadoras do projeto. No site do Telescópios na Escola, além de informações e explicações sobre diversos temas da astronomia, há sugestões de atividades práticas para os professores, como a medição das crateras lunares a partir das fotos captadas. "Mas a grande ideia é que o professor desenvolva, com a participação dos estudantes, uma maneira de como trabalhar essas imagens em sala de aula. Só damos os instrumentos", diz.
De acordo com a professora Jane, um desafio do Telescópios na Escola é vencer o preconceito dos professores que tendem a achar que precisarão lidar com tecnologias muito avançadas. "Ao final das observações, eles se mostram muito entusiasmados e surpresos com a facilidade que tiveram para operar a máquina", ressalta.
Aulas extras
Na escola Patriarca da Independência o interesse pelo assunto foi tanto que Maria Clara organizou aulas extras de astronomia, ministradas fora de seu horário normal de trabalho. "O objetivo é dar mais informações teóricas para que os alunos entendam melhor o que estão observando pelos telescópios. Também não sei muita coisa sobre astronomia, mas tenho interesse pelo tema e estou aprendendo para ensinar", conta a professora. Segundo seu relato, a observação astronômica melhorou a atenção dos alunos, seu interesse pelas aulas de física, pois passaram a relacionar melhor os conhecimentos e a fazer paralelos entre as observações e os conteúdos teóricos.
"Observar o céu é diferente de apenas olhar para ele. Os alunos fazem ciência sem perceber", ressalta Marcos Calil, astrônomo do Colégio Magno, de São Paulo. A escola é a única da cidade que possui um observatório próprio, com telescópio, para ser utilizado pelos estudantes dos ensinos fundamental e médio. "Muitos até seguem por essa área ou se tornam astrônomos amadores", conta Calil. "Ao ver quanto somos pequenos, percebemos, ao mesmo tempo, nossa grandiosidade, pois somos o único planeta com vida encontrado até hoje. Essa constatação aumenta nossa responsabilidade de preservar a vida na Terra", defende o professor.
Ano Internacional da Astronomia (AIA) 2009 |
|
Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) |
|
Diário Cósmico |
|
Onde dizer que viu estrelas |
Abaixo, destacamos alguns desses lugares e suas principais atividades. Confira:
|