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Para o amanhã nascer feliz

Idiossincrasias burocráticas e a educação

Publicado em 10/09/2011

por José Pacheco

Há alguns anos, fui levado à Te-Arte pela mão da minha amiga Rosely Sayão. E aconteceu o deslumbramento dos sentidos. Não esperava encontrar no Brasil tanta generosidade e responsável ousadia.

Enquanto muitas escolas se convertem ao digital e se vão transformando na vanguarda tecnológica do atraso pedagógico, a Te-Arte é bela na simplicidade. Ali, tudo tem a medida da infância e apetece voltar a ser criança. Por isso, a presença do adulto que educa faz sentido.

Este país não é pobre em exercícios de canseira e paixão. Importa conhecê-los, resistindo à tentação de lançar novas “modas”. O Brasil não poderá continuar no desconhecimento do que tem de melhor. Educadoras como a Therezita – uma jovem septuagenária – são razão de esperança, num Brasil condenado a acreditar que, pela Educação, chegará ao exercício de uma cidadania plena.

Eu sinto-me privilegiado por a ter conhecido. Bem-haja a Dulcília por ter escrito um belo livro, em que relata experiências de mãe, expondo a outros olhares um espaço de amor maduro, onde a sensibilidade se reinventa e o impulso criativo ganha raízes.

A Fernanda foi criança feliz no Te-Arte e ali voltou como realizadora de cinema, para fazer um documentário. Agradeço os momentos passados no Te-Arte, gravando imagens de uma amena conversa. Mas ficou-me o travo amargo de algumas confidências escutadas.

Aceite o leitor a possibilidade de a memória me trair, pois fiquei aturdido com o chorrilho de disparates (leia-se exigências ministeriais), que escutei. Talvez não reproduza a lista por completo ou a adultere. Mas, ainda que corra o risco de inexactidão, não poderei deixar de partilhar aquilo que, desde então, me preocupa.

Há muitos anos, a Therezita solicitou alvará para o seu jardim de infância. Após vistoria e análise do projecto, os burocratas do ministério recusaram-lhe esse estatuto por “razões” que (parcialmente) passo a enunciar.

O chão do Te-Arte não é plano, o que constitui, na opinião dos burocratas, um perigo para as crianças. E é um espaço repleto de árvores, às quais as crianças podem subir e… cair. É compreensível que os burocratas se preocupem com o risco de acidentes no Te-Arte. Porém, em muitos anos de funcionamento, nunca uma criança do Te-Arte necessitou de tratamento hospitalar, enquanto outras escolas e jardins de infância disso não se poderão gabar.

A lista de absurdas exigências era longa: as paredes terão de estar pintadas de branco (os burocratas preferem paredes assépticas); o número de crianças por metro quadrado superiormente estabelecido não poderá ser ultrapassado; as crianças deverão usar uniforme; deverão estar escalonadas em turmas por idades … E por aqui me quedo, para poupar o leitor a outras alarves imposições.

No filme Pro dia nascer feliz estão expostas mazelas do sistema educativo. Para vergonha de um Brasil atolado na miséria educacional, o Te-Arte vai ser celebrado em filme, que já o foi em dois belos livros. Quando o filme for projectado nas telas das nossas salas de cinema, os espectadores poderão ver imagens do que de melhor o Brasil tem. Irão tomar conhecimento de uma instituição que, por vontade dos burocratas, paga um imposto exorbitante – idêntico ao que paga uma multinacional – só porque o ministério se recusou a reconhecê-la como jardim de infância e que, desde a sua fundação, funciona como… “centro de recreação”.

Autor

José Pacheco


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