Projeto de encontros entre familiares e educadores estimula aproximação com o desenvolvimento dos filhos e faz refletir sobre questões atuais
Publicado em 10/09/2011
A mudança na estrutura familiar brasileira, com menos filhos, pais divorciados, mais mulheres no papel de chefes de família e avós assumindo as funções de pais e mães, transferiu para a escola boa parte da responsabilidade na criação dos alunos. Cientes de que essa missão não cabe à escola, instituições de ensino têm se mobilizado em torno de um projeto com demanda crescente: a Escola de Pais.
"Nos últimos 15 anos, com a ausência dos pais em casa, a escola começou a assumir compromissos que não eram dela", analisa Márcia Guimarães, coordenadora de assessoria educacional do Sistema Maxi de Ensino. Para reposicionar os papéis do colégio e dos pais, a instituição criou, em 2002, uma programação de palestras do projeto Escola de Pais. Da educação infantil ao pré-vestibular, são organizados encontros com os responsáveis de alunos das escolas conveniadas ao sistema em 22 Estados. "Queremos dar um recado para os pais: sem eles na escola, a instituição não pode se responsabilizar totalmente pelo filho", diz. Entre os temas mais requisitados para debate estão a sexualidade precoce e como lidar com os filhos e as novas tecnologias (leia-se celulares, Orkut, bate-papos na internet, entre outros).
Quando reúnem os pais para debater um tema em comum, as escolas abrem espaço para que cada um conte e ouça as experiências individuais. "Não deixa de ser uma terapia de grupo", diz Sonia Maria Jorge, que preside com Ariovaldo Flosi Jorge a Associação das Escolas de Pais do Brasil. A entidade, fundada em 1964, divide-se em 96 seccionais, em 25 Estados. Cada seccional é coordenada por um casal voluntário – de preferência, um pai e uma mãe – que fica à disposição das escolas regionais para ministrar programa com dez encontros. O casal é orientado previamente por um conselho de educadores para ordenar o tema de cada uma das reuniões. Discute-se da maturidade dos pais na vivência familiar às dificuldades para se educar. Anualmente voluntários e pais interessados participam de congresso no Colégio Santa Cruz (São Paulo), que tem programação com especialistas em educação e pedagogia.
A procura pelo serviço é crescente: em 2004, 189 escolas foram atendidas pela associação; em 2005, o número subiu para 219, patamar semelhante ao de 2006. "Muitos pais não estão preparados para essa tarefa. Formar um ser humano, um cidadão, hoje em dia é muito difícil. Precisa-se de apoio", diz Sonia. Mãe de cinco filhos, ela se aproximou da associação após participar de um encontro há 29 anos.
"Antigamente, muitas gerações da mesma família viviam na mesma casa. Havia muita troca de informações entre pais e mães. Hoje, os núcleos familiares estão menores. É um buraco cultural da nossa época", explica Vera Iaconelli, mestre em Psicologia e coordenadora da clínica particular Gerar Escola de Pais. "Os encontros promovidos pelas escolas ajudam pais inseguros a retomar sua autoridade", diz. Para a especialista, os encontros têm efeito terapêutico, mas não são terapia. "Há uma disseminação de conhecimento, mas alguns casos precisam de acompanhamento mais individualizado para trazer resultados efetivos", explica.
Para Eloisa Ponzio, diretora da área de formação contínua e de eventos do Sistema Pueri Domus, que também organiza encontros no formato desde 2005, o termo "escola de pais" não é o mais adequado. "Parece que a escola se propõe a ensinar os pais a educar os filhos, e não é isso. Queremos promover debates de assuntos que consideramos relevantes para pais e alunos", explica. O tema deste ano é "Quem seu filho vai ser quando crescer?". O sistema consegue atingir números altos de presença de pais, chegando a 250 pessoas por encontro nas regiões atendidas. O Pueri Domus reúne 150 escolas conveniadas no país.
Mas foi preciso muito jogo de cintura para conseguir o alto índice de comparecimento. "Os pais sempre foram chamados para ir à escola por problemas de comportamento ou baixo desempenho. Isso os afastou da instituição", conta Eloisa. Para aumentar o quórum, a instituição descarta temas "com excesso de pedagogia", nas palavras da diretora, e dá lugar para os mais vivenciados no plano doméstico.
"Precisa ser no corpo-a-corpo", confirma Myriam Tricate, diretora do Colégio Magno. O programa "Papel de Pai, Papel de Filho" já teve encontros cancelados por falta de presença. O problema é mais crítico com os pais dos alunos mais velhos, do ensino médio. "Os pais têm muitos compromissos. Mas aqueles que participam depois são cobrados pelos filhos para voltar a participar da próxima vez", conta. O programa do colégio completou dez anos em 2006 e é sempre acompanhado por um profissional especialista no tema discutido.
Os resultados – embora pouco mensuráveis – são observados pela instituição: "Os encontros fidelizam os pais, que se sentem mais envolvidos com o processo educacional e passam a confiar mais na escola", diz Márcia, do Sistema Maxi de Ensino. Em Caraguatatuba, o projeto "Escola de Pais Cidadãos – Um Sonho Possível" foi trazido pela ONG Fundação Orsa e adotado pela Secretaria Municipal de Educação. Desde 2002, as 32 escolas da cidade solicitam periodicamente as visitas com os pais. Luiza Maria Rangel, assistente social e uma das responsáveis pelo projeto, resume os benefícios alcançados: "houve melhora no relacionamento familiar, redução da violência no entorno das escolas e até avanços na relação entre marido e mulher, entre os pais".