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O Jovem, um problema ?

Pesquisadora francesa alerta para o perigo de reservar à juventude um olhar pautado por uma visão sanitarista e repressiva

Publicado em 10/09/2011

por Ensino Superior

Tanto em matéria de meio ambiente quanto de juventude, nossa sociedade se aplica a um exercício constante: o da poda. É basicamente essa a constatação amarga e lúcida de Patrícia Loncle, professora e pesquisadora da Escola de Estudos Avançados de Rennes, cuja preocupação recai sobre o moral baixo dos jovens franceses. Somente um quarto deles (26%) considera seu futuro promissor – é o que revela uma pesquisa internacional encomendada pela Fundação pela Inovação Política, cuja interpretação dos dados relativos ao território francês foi confiada à pesquisadora. “Estamos numa enrascada. É urgente um esforço de solidariedade em favor dos jovens para a renovação de nossa sociedade.”

Patrícia nem sempre foi tão pessimista. No início de sua carreira universitária, e paralelamente a seus estudos de Direito, engajou-se entusiasmada no Francas, organização de educação popular criada em 1944, em pleno tumulto dos combates da Segunda Guerra Mundial. Fascinada pelos enfrentamentos ideológicos oriundos dos movimentos juvenis, ela objetivava aprofundar suas ligações com o mundo político. “Na época, essa questão parecia estranha e pouco legítima aos olhos de meus colegas políticos. As políticas juvenis eram pouco estruturadas no nível local e pertenciam a um ministério fraco e de baixo orçamento.” Agora, a coisa mudou. A crise da cidadania e as dificuldades de inserção social e profissional dos jovens, enfrentadas principalmente a partir de 1980, fizeram com que a problemática dessa faixa da população se tornasse um problema de Estado.
 

O jovem, óvni da sociedade


Um jovem é o quê? “Um objeto não identificado”,  responde precipitadamente Patrícia Loncle, antes de tentar uma definição: “Do ponto de vista dos poderes públicos, é alguém que tem dificuldade em ter acesso aos atributos essenciais da idade adulta em termos de trabalho, de habitação, de paternidade e de apropriação da esfera política”. “A juventude é só uma palavra”, já dizia o sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002) em 1978. Decerto os aborrecimentos de um estudante da universidade não têm muito que ver com o fracasso escolar de um jovem dos bairros populares. Todavia, tanto um quanto outro, em graus diferentes, penam hoje para achar um lugar ao sol.

O que deixa a pesquisadora desolada é que a juventude não seja mais considerada um recurso formidável, e sim encarada como um problema. Prova disso é a aceleração da repressão no campo judiciário e a focalização desproporcional das políticas voltadas aos jovens para as questões de saúde. Violência, aids, acidentes, dependência química ou outros tipos de suicídio também se tornaram motivos principais dos discursos sociais sobre a juventude. “Há uma década, sob a influência conjugada de uma conscientização da importância dos determinantes sociais, das desigualdades sociais e de saúde e da permeabilidade maior das políticas públicas francesas às ideologias neoliberais anglo-saxônicas, assiste-se a um aumento considerável das análises em termos de saúde, até mesmo de uma sanitarização das questões sociais. Mas é preciso lembrar que 85% dos jovens estão saudáveis”, lembra Patrícia Loncle.

No plano local, a amplitude desse movimento é flagrante, e o exemplo de Rennes, cidade situada na Bretanha, no noroeste francês, é eloqüente. Reputada por sua tradição festeira, essa cidade estudantil – tem 200 mil habitantes, dos quais 60 mil estudantes – cristaliza as preocupações. “As tradicionais práticas festivas da quinta-feira à noite parecem hoje ser um problema particularmente grave para os jovens de Rennes”, observa a pesquisadora. Os incidentes recorrentes com a polícia e os problemas de segurança (três jovens morreram em setembro de 2007) nos fazem questionar a pertinência de práticas baseadas na tolerância.

A pesquisadora antecipa explicações. Um primeiro elemento diz respeito ao povoamento do centro da cidade. Como a maioria dos centros urbanos, Rennes passa por certo aburguesamento de sua parte histórica, hoje essencialmente com dois tipos de população: os habitantes com menos de 30 anos (52%), que moram de aluguel em pequenos apartamentos (situação permitida pela ajuda personalizada ao aluguel) e os proprietários mais velhos, de categorias profissionais com remuneração mais elevada. Um segundo elemento deriva da chegada, em 2002, de uma nova prefeita regional, com a proposta prioritária de  “desviar os jovens das condutas de risco”.


Festeiros ou vítimas


Autora de uma série de artigos intitulada “A Bretanha perante seus demônios (álcool, tabaco, haxixe e segurança nas estradas)”, publicado no Ouest-France, a prefeita endureceu as regras dos bares noturnos, chegando a proibir os deslocamentos de quem portasse garrafas nas ruas de Rennes, de quinta às 21 horas até sexta de manhã, às 6 horas. Essa decisão provocou uma ritualização dos enfrentamentos entre os jovens e a polícia, que se viu obrigada a controlar os festeiros. Bombardeados de idéias negativas sobre os jovens, os agentes municipais, historicamente muito presentes no terreno sociocultural, teceram suas imagens da juventude, aos poucos, na equação clássica de duas figuras dominantes, os “arruaceiros” e as “vítimas”. Isso permitiu legitimar e circunscrever a intervenção pública no registro lógico e cívico da proteção e da saúde. Os primeiros incriminados pelos excessos da quinta-feira à noite são os jovens errantes que povoam a praça Saint-Anne, no coração da capital bretã. Em seguida, vêm os “festeiros” que circulam nas raves, suspeitos de articipar dos enfrentamentos. Além deles, há os pequenos traficantes, que operam na mesma praça e são acusados de contribuir com a bagunça semanal.

No entanto, destaca Patrícia Loncle, na medida em que os enfrentamentos perduram nas festas, os poderes públicos deveriam examinar mais atentamente os jovens implicados que não são de fora da cidade, nem se organizam em bandos ou fazem parte de atividades marginais. “Num contexto de precarização das condições de vida das gerações jovens, poderíamos nos perguntar sobre as dimensões sociais dessas práticas. Ninguém se pergunta por que eles bebem, por que têm idéias suicidas, por que bancam os idiotas nas estradas…”

Ao contrário. As análises sobre as condições de vida são descartadas, pois supõem dispositivos sociais de grande envergadura aos quais o Estado renunciou e que as coletividades locais não têm meios de pôr em prática. Resultado: “as políticas de saúde pública, menos custosas, mais fáceis de quantificar e valorizar, vão de vento em popa”.

Patrícia Loncle previne: “Dize-me como tratas teus jovens e direi o futuro que te espera! Eis um eco da sentença de [escritor francês Georges] Bernanos [1888-1948]: é a febre da juventude que mantém o resto do mundo com a temperatura normal. Quando ela esfria, o resto do mundo range os dentes”. Além do aquecimento global, nossos políticos eleitos deveriam inspirar-se e tomar cuidado com uma possível nova era glacial, que afetará prioritariamente os dinossauros.

(Tradução de Mônica Cristina Corrêa)

Autor

Ensino Superior


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