Nem sempre nossos empréstimos linguísticos da França seguiram à risca o sentido adotado no original
Publicado em 10/09/2011
Em 2005 comemorou-se o Ano do Brasil na França, agora é a vez de o Brasil retribuir a gentileza e celebrar o Ano da França no Brasil. Um dos slogans da comemoração é: Em 2009 o Brasil vai ficar mais francês! A presença do "mais" nos leva a indagar se nosso país já sofreu influências vindas de lá e onde encontramos tais vestígios. A França teve papel na formação da identidade brasileira nos campos político, econômico, social e cultural.
Cada período de nossa história, dos remotos até o despertar do Modernismo, revela a presença da cultura francesa. Presença comprovada pelas palavras trazidas na bagagem dos episódios e que aqui ficaram misturando-se de tal forma que só falantes atentos se dão conta desses empréstimos.
Entre inúmeros episódios, podemos citar a chegada de Villegagnon ao Rio de Janeiro em 1555, a Missão Artística Francesa no início do século 19 e a influência da Revolução Francesa no processo de nossa Independência. Mais recentemente, temos a belle époque mudando nossa arquitetura e moda e, na década de 30, a vinda de intelectuais franceses para a criação da USP. Outra prova do fascínio que a França exercia sobre o Brasil é a publicação da revista Fon-Fon entre 1907 a 1958. O leitor carioca era francófilo e seu gosto foi difundido, pois, sendo capital, era o Rio que ditava a moda. Nesse mundo não televisivo e sem internet, era a Fon Fon que trazia as novidades de Paris e, com elas, os galicismos.
Inquestionável
Muitos termos franceses vingaram no Brasil, alguns com gostinho especial de aclimatação. Se galicismos relacionados à gastronomia ocorrem não só no português, pois essa nomenclatura foi estabelecida na França, um vocábulo como soutien (sutiã) foi adotado graças à sabedoria popular, caso contrário, teríamos "porta-seios".
Nem todo galicismo assumido no Brasil, no entanto, ganhou o sentido usado na França. Interessante notar, por exemplo, que a palavra marchand tem na língua francesa um sentido abrangente de "comerciante", mas por nós foi adotada para designar apenas o comerciante de obras de arte. Marron é "castanha". Significa dizer que, quando declaramos que algo é marrom, estamos fazendo comparação entre o objeto e a cor da castanha. Abat-jour, que no português "abajur" designa toda a luminária, na língua francesa indica uma parte dela, a cúpula. O hoje não tão usado "chofer" deriva de chauffeur, que por sua vez vem do verbo chauffer (aquecer): aquele que aquece o motor do carro. No início, o motorista era quem movia a manivela que dava a partida do carro.
As palavras que herdamos do francês são carregadas de história. É conhecida, por exemplo, a origem de grève, de que derivamos "greve". Grève significa "margem de rio". Em Paris havia a Place de Grève, uma praça às margens do rio Sena. Nela ocorriam manifestações de trabalhadores, o que deu origem ao seu sentido atual de paralisação.
As unidades lexicais que apresentamos no quadro acima foram recolhidas ao longo dos anos tendo como corpus discussões em sala de aula, a imprensa escrita e falada. São apresentadas em grupos, na sua forma francesa, mesmo que todos saibamos que a maioria esteja adaptada ortograficamente ao português. Espero que o leitor não saia deste artigo comentando que foi um déjà-vu…