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Políticas Públicas

O desafio da qualidade

Novo plano do governo federal para a Educação Básica busca assentar-se em indicadores e metas para melhorar a gestão dos sistemas públicos; vinculação de verbas não é unanimidade

Publicado em 10/09/2011

por Marta Avancini


Célio Cunha, da Unesco: metas devem ser qualificadas para serem atingíveis

Apresentado como uma das grandes apostas do segundo mandato do presidente  Lula, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) pode, de fato, atingir o seu objetivo e ajudar a melhorar a educação no país. Contudo, para que saia do papel, será necessário superar uma série de desafios: desde definir de onde serão retirados os R$ 8 bilhões que o governo promete investir, até uma mudança de mentalidade, que inclui a aceitação generalizada de uma cultura de gestão baseada em indicadores e metas.

Desde que foi apresentado pela primeira vez pelo ministro Fernando Haddad em março deste ano, o PDE contabiliza mais elogios do que críticas às diretrizes que estabelece para a educação como um todo, em especial para a Educação Básica. O eixo do Programa é um indicador, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que será utilizado como referência para avaliar a situação de cada município brasileiro, a partir dos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), da Prova Brasil e das taxas de aprovação.

Com isso será possível classificar os municípios e identificar as localidades cujo desempenho está aquém do esperado. Estes receberão apoio técnico e recursos, desde que se comprometam formalmente a cumprir metas estabelecidas por meio do Ideb. Para a professora Magda Becker Soares, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), esse é um dos riscos do Plano. "Uma avaliação externa pode colaborar para melhorar a qualidade do ensino se for bem elaborada e se os resultados forem bem comunicados e analisados. O problema é quando a avaliação caminha para o que se tem chamado, em outros países, de ‘obrigação de resultados’", alerta.
  
Essa situação pode gerar dois efeitos negativos, em especial quando há vinculação de recursos a resultados: criar uma hierarquia dos sistemas de ensino, das escolas e dos alunos, conforme o "mérito" e, com isso, levar a distorções no currículo. "Em geral, nas avaliações externas, a língua e a matemática são privilegiadas. Então, a tendência é concentrar esforços nessas áreas para conseguir recursos, com a conseqüente minimização do papel das demais – ciências, história, geografia etc." Segundo a professora,  o efeito é tema de debate nos EUA em função dos resultados do programa "No Child Left Behind", que condiciona a liberação de recursos a resultados em testes.

No caso do Brasil, além das metas para os municípios que aderirem à proposta, serão estabelecidos objetivos nos planos federal, estadual e municipal, a serem atingidos em prazos determinados. Uma das metas, conforme declarações do ministro Haddad, é fazer com que os alunos brasileiros tenham um desempenho semelhante ao dos estudantes dos países desenvolvidos até 2022.

Metas qualificadas

Mas não basta estabelecer metas, alerta Célio da Cunha, especialista em educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). "Há um adjetivo muito importante que deve ser associado às metas: elas devem ser qualificadas". Isso significa, segundo Cunha, associá-las a um conjunto de ações que as tornem exeqüíveis. "É preciso melhorar a infra-estrutura das escolas, investir na formação do corpo docente, enfim, cuidar de todos os fatores associados ao sucesso do ensino", afirma.

Além disso, é necessário que todos os segmentos do sistema educacional atuem em função dos objetivos – o país, os Estados, os municípios e as escolas. "Na Finlândia, foram estabelecidas metas por disciplina", relata o especialista. "Cada professor tinha clareza do que precisava ser feito, permitindo que todo o processo fosse monitorado."

Generalizar, na área da educação, a mentalidade de busca de resultados a partir de objetivos e metas é um dos maiores desafios do PDE. "É preciso profissionalizar a gestão. Não adianta destinar verbas para a educação, sem mudar a gestão", analisa o diretor-executivo do Movimento Todos pela Educação, Mozart Ramos. Nessa medida, é importante a vinculação  entre a distribuição de recursos, o apoio técnico aos municípios com desempenho ruim e o cumprimento de metas, assinala Erasto Fortes, professor de políticas e gestão educacional da Universidade de Brasília (UnB).

Outro aspecto relevante e delicado é o tempo. Ramos considera fundamental que o governo seja rápido na implementação, sob pena de perder credibilidade. "O MEC precisa estabelecer prioridades e colocar em marcha rapidamente algumas medidas anunciadas", afirma. Entre elas, cita a avaliação do processo de alfabetização nas séries iniciais. De outra parte, a competitividade global exige que o país seja ágil para melhorar a qualidade da educação. "O Brasil não pode mais perder tempo. Espanha e Coréia, que transformaram a educação em prioridade número um, tiveram 30 anos. Não temos esse prazo", diz Cunha.

Outro desafio importante é a transformação do Plano em projeto de nação. "O governo tem de buscar uma articulação com os secretários estaduais e municipais de educação para o PDE ganhar a dimensão de um projeto de nação", assinala Ramos, do Todos pela Educação. Já Cunha enfatiza a necessidade de uma articulação suprapartidária. "Se não se tornar uma política de Estado, não terá continuidade após este governo."


De onde vem o dinheiro?


Liberação de recursos tem de estar vinculada a apoio técnico, alerta Erasto Fortes, da UnB

Outra definição urgente é de onde virão os recursos. O governo tem anunciado várias ações além do Ideb. Entre elas, investimentos em energia elétrica para escolas, informatização, rmodernização de prédios e em qualificação docente. Para isso serão necessários R$ 8 bilhões em quatro anos. "São recursos voluntários e adicionais que o governo vai aplicar no Fundeb. São necessárias negociações com a área econômica ", explica Fortes, da UnB.

Apesar dos desafios inerentes ao PDE, a proposta é vista com bons olhos. Representa uma mudança de paradigma na área da educação, assinala Ramos. Por meio do Plano, o governo tem condições de induzir o sistema a assumir um mecanismo que pode, de fato, levar à melhoria da qualidade, como lembra Fortes. Ou, como assinala Célio da Cunha, o PDE representa uma oportunidade para colocar em prática uma idéia defendida desde 1849 pelo poeta Gonçalves Dias: a educação, no Brasil, precisa ter um centro de coordenação e de ação.




Ensinos técnico e rural: nova perspectiva

Duas áreas sempre relegadas a segundo plano devem receber atenção especial no PDE. Para o ensino técnico, o governo promete ampliar a rede de escolas de nível médio e superior (tecnológico) para os 150 municípios brasileiros classificados como pólos pelo Ministério do Comércio e Agricultura.

O MEC montará um cronograma para construir as escolas até 2010, a partir da classificação dos municípios, feita por uma pontuação: aqueles que se interessarem em ter uma escola, deverão participar de uma concorrência que será realizada por meio de edital e oferecer infra-estrutura (um terreno, um prédio etc.) como contrapartida. Quanto mais oferecerem, mais pontos terão, e mais rapidamente a escola será construída, já que o cronograma vai seguir a ordem da pontuação.

Para a educação rural, o MEC promete ações que fixem o aluno no campo, sem que ele precise ir à cidade para estudar. Entre outras medidas, o ministério propõe um programa para melhorar o transporte escolar, além da informatização de todas as escolas rurais com mais de 50 alunos.

Autor

Marta Avancini


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