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Menos metas, mais compromisso

Às vésperas da realização da Conferência Nacional de Educação 2010, protagonistas concordam: é preciso fechar um documento com propostas que possam ser efetivamente cumpridas

Publicado em 10/09/2011

por Carmen Guerreiro



De 28 de março a 1º de abril, estudantes, profissionais e dirigentes da Educação de todo o país se reunirão em Brasília na Conferência Nacional de Educação (Conae). Com o objetivo de construir um "Sistema Nacional Articulado de Educação", a Conae será palco de discussões que deverão pautar e dar diretrizes para a elaboração do próximo Plano Nacional de Educação (PNE), que vigorará de 2011 a 2020. 

Em outras palavras, a trilha pela qual a educação brasileira deve avançar na próxima década será rascunhada na Conae, com a participação articulada da sociedade civil e dos setores público e privado. "Esta Conae será a primeira conferência com essa concepção de englobar todos os níveis de ensino e com a participação democrática de todos os segmentos da sociedade, apesar de ser um debate convocado pelo poder público. Não é uma conferência do MEC, é da sociedade", observa Francisco das Chagas, coordenador da comissão organizadora da Conae e secretário executivo adjunto do Ministério da Educação, responsável pelo evento.

As expectativas para a conferência são numerosas, já que diversos outros seminários preparatórios foram realizados ao longo dos últimos anos, nos níveis municipal, estadual e federal – a exemplo da Conferência Nacional da Educação Básica (Coneb) de 2008. "Será um momento de maior aprofundamento e amadurecimento do debate e definição das propostas a serem apresentadas para a sociedade brasileira", analisa Milca Severino Pereira, secretária da Educação de Goiás e representante do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) na comissão da Conae.


Com tantas forças políticas


atuando simultaneamente na construção do novo PNE, quais temas merecerão mais atenção na Conae e na agenda da educação de 2010? A principal preocupação parece ser a de não repetir os mesmos equívocos do último Plano, que deixou lacunas e objetivos não cumpridos. Segundo Mozart Ramos, presidente-executivo do movimento Todos pela Educação, o novo documento deverá ser mais focado. "Os seis eixos temáticos que compõem e organizam a Conae precisam ser traduzidos no PNE para não chegarmos à  versão final com 295 metas como no atual Plano. Nem temos indicadores para quantificar tudo isso. É fundamental sair com um espectro amplo de discussão, mas foco em algumas metas para acompanhamento da sociedade civil", afirma.

Os eixos temáticos das discussões serão os seguintes: Papel do Estado na garantia do direito à educação de qualidade: organização e regulação da educação nacional; Qualidade da educação, gestão democrática e avaliação; Democratização do acesso, permanência e sucesso escolar; Formação e valorização dos profissionais da educação, Financiamento da educação e controle social; Justiça social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade.


O próximo Plano


Elaborar um novo PNE que possa ser acompanhado e de fato colocado em prática está no topo da lista de prioridades das instituições entrevistadas. No caso da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, esse é o principal foco dos esforços da organização em 2010.

"Esperamos influenciar o PNE em diversos aspectos, especialmente reforçar o conceito do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), um instrumento jurídico-financeiro que determina quanto precisa ser investido por estudante. Nosso cálculo é de que são necessários mais R$ 29 bilhões anuais. Como a Conae vai gerar um documento para oferecer diretrizes ao novo Plano, a ideia é aprovar o CAQ durante a conferência", explica Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha.

Para o cumprimento do PNE, a entidade pedirá uma nova forma de avaliação. "O Plano atual encerrará 2010 com um grande déficit de metas, por isso queremos exigir que os governos façam uma avaliação para que as metas produzidas sejam de fato cumpridas. Como o Plano vai ser gestado na Conae, será mais difícil esvaziá-lo porque terá legitimidade social."

Apesar de o documento final da conferência servir de principal diretriz para a construção do PNE, as deliberações do evento precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional para constar no Plano. Pensando nisso, a Comissão de Educação e Cultura (CEC) da Câmara dos Deputados será parte ativa na Conae, e levará ao encontro o resultado de uma série de seminários realizados em 2009. "Entregamos à Conae toda essa escuta que fizemos da sociedade brasileira. Agora estamos com a expectativa de que nos devolvam isso de forma elaborada para transformarmos em lei", diz a deputada Maria do Rosário (PT-RS), presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados (CEC). "Quando a Conae encaminhar suas resoluções, encontrará na CEC um espírito de guardiã. Queremos que esses assuntos sejam valorizados e acompanhados pelos parlamentares."


Agenda nacional


Outro objetivo da CEC é cuidar para que os principais temas da educação não escapem dos planos de governo dos presidenciáveis. Enquanto a Comissão se esforça para isso, os grupos Todos pela Educação e Campanha Nacional pelo Direito à Educação trabalham para ter "a certeza de que a agenda da conferência e o que for decidido terá continuidade independentemente do presidente eleito", como explica Daniel Cara. Ramos, do Todos pela Educação, completa: a ideia é que as bandeiras do PNE sejam políticas de Estado e não de governo.

Segundo Francisco das Chagas, se depender do MEC, as ações da pasta em 2010 seguirão o trajeto já traçado, dando continuidade ao Plano de Desenvolvimento da Educação. Em 2011, com o novo governo, não é possível prever quais serão as prioridades.

Uma delas, no entanto, figura para as instituições de educação como urgente: a questão do financiamento. Além da proposta da Campanha Nacional pelo Direito à Educação de estabelecer o Custo Aluno-Qualidade, cujos cálculos determinam que o setor precisa de um acréscimo anual de pelo menos R$ 29 bilhões, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) advoga uma elevação em relação ao PIB. "Historicamente, defendemos que o país invista 10% do PIB em educação, mas nos últimos debates não foi possível consolidar esse percentual, vetado nos governos FHC e Lula. Esperamos que isso seja realizado no novo PNE", afirma Heleno Araújo, diretor de políticas educacionais da CNTE e membro da comissão da Conae. Iria Brzezinski, presidente da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), observa que as prioridades da educação apontadas para o novo Plano só serão tangíveis se houver financiamento compatível. "Espera-se também que os educadores reunidos na Conae tracem metas realistas para o Plano Nacional de Educação para os próximos dez anos, com garantia de recursos financeiros para sua verdadeira operacionalização", alerta.

A pressão política na conferência vai puxar a corda também para consolidar a Lei n° 11.738, a famosa lei do piso. Apesar de sancionada em 2008, ainda não é uma realidade generalizada. Grupos como a CEC e o CNTE devem insistir na questão na Conae e também ao longo de 2010. "Dia 16 de março teremos um dia nacional de mobilização pela implementação integral da lei do piso, com a paralisação das redes para forçar governos a acatar a decisão", avisa Araújo, do CNTE.
(Carmen Guerreiro)

Educação infantil

Com a obrigatoriedade da educação infantil, especialistas temem que as creches sejam colocadas (ainda mais) no segundo plano. "Neste ano, a etapa da Educação Básica que vai ser principal alvo de discussão é a educação infantil. A pré-escola tornou-se obrigatória, mas a creche não", alerta Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. "Pelo Plano Nacional de Educação (PNE) atual, deveríamos finalizar 2010 com pelo menos 50% das crianças de 0 a 3 anos com acesso à creche, e a taxa de escolarização bruta é de 17%. Ainda assim, muitos municípios estão anunciando o fim das matrículas nas creches para abrir mais pré-escolas, que agora são obrigatórias." Segundo Mozart Ramos, presidente-executivo do Todos pela Educação, há uma forte deficiência de creches na maior parte das cidades brasileiras, principalmente porque o custo por aluno é mais alto do que em qualquer outro nível de ensino. "Por isso é muito importante a questão da parceria e da colaboração entre presidentes federativos e locais", defende. Heleno Araújo, diretor de políticas educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), concorda. Para ele, o grande desafio da educação infantil é ampliar e garantir o acesso à creche para famílias de baixa renda. "Os pais têm o direito de trabalhar com a segurança de que o filho está bem", diz.

Ensino Médio

O grande desafio do ensino médio está além das questões da qualidade e do acesso, mas as permeia: é conseguir motivar os estudantes de sua faixa etária. Os jovens têm se identificado cada vez menos com a escola e com o que estudam no secundário, o que leva ao aumento dos números de evasão e reprovação. "O ensino médio hoje não cumpre a missão de preparar o aluno para a vida, para a continuidade dos estudos ou para a profissão. O pouco que faz é com total defasagem da realidade dos jovens", observa Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ramos, do Todos pela Educação, concorda. "O jovem do ensino médio quer uma escola que caiba na sua vida, algo que o prepare. Ele não vê hoje na escola um currículo motivador. A solução passa por um conteúdo que se relacione com seu cotidiano, para que ele se sinta fazendo aquelas disciplinas de maneira integrada e que isso dê força para seu empreendedorismo." Araújo, do CNTE, defende que o fenômeno se deve também à distorção idade-série, o que ajuda no sentimento de não pertencer e não se identificar.

Ensino Fundamental

Para Daniel Cara, da CNDE, apesar de a questão do ensino fundamental de nove anos ainda ser polêmica, a etapa não deve estar entre as prioridades de 2010. "A educação infantil, o ensino médio e o superior precisarão de mais atenção da comunidade educacional." Mesmo assim, problemas recorrentes do fundamental, como a universalização, a qualidade do ensino, o analfabetismo funcional e a distorção idade-série preocupam. "É importante que haja um exame nacional para aferir o grau de alfabetização da criança até os 8 anos de idade, para garantir que ela esteja lendo e escrevendo adequadamente", defende Ramos, do Todos pela Educação. "Ainda temos 2,5% de crianças fora da escola no ensino fundamental, o que parece pouco, mas significa 1 milhão de pessoas. Então ainda há um grande desafio no acesso e também na permanência", complementa Araújo, do CNTE.

Autor

Carmen Guerreiro


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