Ong capacita jovens carentes em técnicas audiovisuais e estimula valorização pessoal
Publicado em 10/09/2011
Neste ano, Wilney Assis Costa trabalhou na assistência de iluminação, som e de câmera de um longa-metragem, de uma série de televisão, e de dois festivais de cinema, no Rio de Janeiro. “Tudo no cinema é contato”, explica o profissional, que atualmente faz trabalhos para a produtora Total Filmes. Tal declaração, cheia de experiência, nem parece ser de um garoto de 17 anos. Apesar da pouca idade, Wilney já trabalha na área há um ano. Ele se prepara para concluir o ensino médio na Escola Estadual Amaro Cavalcanti e prestar o vestibular para a faculdade de cinema na Estácio de Sá.
Os planos de Wilney para o futuro seriam outros se ele não tivesse descoberto a vocação para o cinema. E o contato com a área ele teve no projeto Gente é pra Brilhar – Histórias que Valem a Pena ser Contadas, coordenado pela Ong Centro de Cultura, Informação e Meio Ambiente (Cima). Ele participou, em 2004, da primeira edição do programa, que contou com a inclusão de mais nove jovens carentes selecionados pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro e pelo Cima.
Os garotos tiveram 100 horas-aula teóricas de capacitação na área de audiovisual – com enfoque em cinema – de direção, roteiro, produção, filmagem e edição, para depois partir para a prática: documentar a vida de seis jovens que tiveram novas perspectivas com projetos de inclusão nas áreas de educação, esporte e cultura. “São histórias de superação documentadas por meninos que também estão passando por processo de valorização de si próprios”, explica Marcos Didonet, coordenador do projeto e do Cima.
Em 2006, foi a vez de 12 alunos de cinco escolas municipais da cidade de Cubatão, localizada na Baixada Santista, participarem da edição paulista do projeto. Sonora, roteiro, set, grua e outros termos técnicos de televisão passaram a fazer parte do vocabulário dos meninos que participaram do curso de capacitação.
As aulas aconteceram, à tarde, no campus Vila Maria da Unimonte, instituição sediada em Santos. “O curso abriu a cabeça deles não só para o curso, mas para a vida. Em alguns deles, até a linguagem mudou”, afirma a jornalista Raquel Pellegrini, atual coordenadora do curso de rádio e TV da Unimonte, e que ministrou as aulas de direção do projeto.
Diferentemente do Rio, o curso paulista enfatizou as técnicas de televisão, deixando de lado a proposta de cinema. A opção obedeceu ao posicionamento do mercado audiovisual em cada Estado, até para apoiar os alunos que, no futuro, venham a querer trabalhar na sua comunidade. “A Baixada concentra mais televisões regionais, um cenário diferente do Rio, que tem a indústria do cinema mais movimentada”, afirma Andréa Pasquini, cineasta que dirigiu e editou os documentários paulistas.
O acompanhamento teórico e prático – assim como no Rio – foi feito com equipe de profissionais, entre diretores e técnicos, que atuam na área de cinema. A edição paulista contou, por exemplo, com a participação do jornalista e escritor José Roberto Torero, autor de 13 livros (entre eles O Chalaça, vencedor do Prêmio Jabuti e livro do ano em 1995), para dar apoio às aulas de roteiro. Esta fase técnica do curso não ofereceu apostilas aos alunos. Cada grupo de três alunos participou de duas gravações fora do estúdio.
O primeiro contato com a câmera
“O mais esquisito foi quando eu ouvi alguém dizer pra tomar cuidado senão a imagem iria estourar”, comenta Luana Paula, de 15 anos, que participou do curso na Baixada. A estudante da Escola Municipal Dr. Ulysses Guimarães lembra o episódio que ilustrou o erro técnico, em que houve excesso de iluminação da cena.
O trabalho da produção foi o que chamou a atenção de Luana. Na avaliação dos coordenadores do curso, ela obteve uma mudança significativa de comportamento: antes tinha uma postura mais agressiva e desconfiada. O trabalho agitado no set de filmagens e nas gravações externas tornou a garota mais participativa. “Na escola, aprendi a trabalhar mais em grupo, assim como aconteceu no curso”, diz.
Para Fabrício Fernandes de Oliveira, que também tem 15 anos e estuda na mesma escola de Luana, o curso estimulou seu prazer pelas letras. “As aulas com o [José Roberto] Torero, me ajudaram nas aulas de português.” Após o curso, ele está em dúvida sobre qual faculdade irá cursar. Antes, a escolha era por jornalismo, agora também pensa em rádio e TV ou cinema.
Luana e Fabrício demonstraram ser telespectadores atentos, e foi isso que os credenciou para participar do curso. Depois de receber a indicação de 60 nomes da Secretaria Municipal de Cubatão, a equipe do Cima fez nova seleção com entrevistas que destacaram aqueles alunos que poderiam ter mais aptidão para a área de audiovisual. No Rio, a primeira seleção reuniu 150 nomes, para depois ser fechada em 10.
Já para a escolha dos alunos que foram protagonistas dos documentários, os critérios foram outros. A equipe do Cima selecionou jovens cariocas que tiveram sua perspectiva de vida mudada após a inserção em algum projeto de inclusão social.
Alguns meninos escolhidos, inclusive, já haviam participado de outros projetos coordenados pela própria Ong, como Programa Coca-Cola de Valorização do Jovem, do Grupo Ecotrupe e do concurso de teatro Baía de Guanabara. Outros personagens foram destacados de outras Ongs atuantes no Rio, como a Viva Vôlei, a Spetaculu e a Jongo da Serrinha.
Em São Paulo, o projeto pegou jovens que se destacaram nos programas das cidades da Baixada Santista. São eles: Estação das Artes (Cubatão), Banda Escola de Cubatão, Escola Livre de Circo (Santos), Cooperativa de Costura, Estamparia e Pranchas de Surf da Ongs Vila Ponte Nova Instituição Promocional (São Vicente), e da Rádio Anahy (Praia Grande).
Ferramenta para o professor
Finalizados os documentários, o material foi formatado em 500 CDs e 500 DVDs e distribuído para os alunos que concluíram o curso e para professores da rede estadual ou municipal, dependendo do acordo feito com as secretarias. A idéia é que eles possam exibir o material em sala de aula para estimular debates sobre discriminação, sexualidade, amizade, entre outros temas levantados pelas histórias retratadas.
No Rio, o material foi entregue para professores representantes de cada uma das 1.054 escolas estaduais. Em São Paulo, o DVD foi finalizado em setembro e entregue para as escolas da rede municipal de Cubatão, Santos, São Vicente e Praia Grande, que somam cerca de 70 escolas. A coordenadora pedagógica do projeto, Mara Rosa, explica que não foi feita uma pesquisa junto aos professores do Rio para avaliação da aplicação do material. Esta é uma das metas para o projeto paulista: “Por ser uma rede menor de escolas, poderemos avaliar melhor os resultados do projeto em sala de aula”, afirma Mara.
Após a entrega dos DVDs e CDs, a equipe da Ong também se reúne com os professores para explicar o conteúdo a ser explorado. Há links com dicas pedagógicas que podem servir de apoio, e que foram formatados por equipe de cerca de dez educadores da entidade. “O perfil socioeconômico do alunado mudou muito nas duas últimas décadas. São pessoas mais pobres e que sofrem mais com a exclusão. O projeto pretende levantar a auto-estima e mobilizar esse aluno”, explica Mara, que por 14 anos lecionou em escolas públicas.
Mercado de trabalho
Encerrado o trabalho de produção e edição dos documentários, os alunos ficam ansiosos com a possibilidade de trabalhar na área. “Apresentamos a eles o mundo de trabalho, mas não o mercado de trabalho”, ressalta Marcos Didonet. O coordenador da entidade lembra que os alunos têm, em média, 15 anos, portanto são menores de idade e há restrições para o trabalho. Mas existe a possibilidade de acompanharem as gravações em sets ou até atuarem como assistentes temporários. Como no caso de Wilney, citado no início da reportagem.
Internamente, o Cima se mobiliza para contatar as produtoras envolvidas e indicar os alunos que tiveram um desempenho promissor. Desde a sua fundação, em 1985, a Ong está envolvida com projetos ligados ao audiovisual, como a coordenação do Festival de Cinema Internacional do Rio e do Rio Tecnomídia, evento que discute mídia com alunos e professores.
Para este ano, a entidade já acerta os detalhes e corre trás de patrocínios para colocar em prática o projeto na cidade de São Gonçalo (RJ). Na Baixada Santista, o apoio veio por meio da Cosipa e da Usiminas (ambas do sistema Usiminas). Já o do Rio contou com suporte da Telemar.