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Entrevistas

Intuição a serviço da ciência

Referência mundial no estudo dos buracos negros, pesquisador francês alerta sobre a impropriedade que é ensinar ciências naturais sem relacioná-las às inquietações humanas

Publicado em 10/09/2011

por Ensino Superior

Jean-Pierre Luminet é diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), especialista em astrofísica e cosmologia. Esse renomado pesquisador vem dedicando seus estudos aos buracos negros, ao universo amarrotado e ao universo finito sem margem. Em homenagem a esses trabalhos, um asteróide foi batizado com seu nome. Autor, entre outros, de Buracos negros, O enigma de Copérnico e A física e o infinito – apenas o último traduzido para o português e só em Portugal -, Luminet é um conhecido militante do ensino da cultura científica nos mais diversos ciclos da educação. Defende que o ensino de ciências se dê a partir das questões fundamentais do pensamento humano, e não apenas como um exercício de fórmulas matemáticas.


O texto de [pensador francês] Blaise Pascal, seu célebre "Caniço pensante", escrito no século 16, é pertinente ainda hoje?


Pode-se obviamente discutir um ou outro aspecto desse texto. No entanto, ele me parece tão interessante que o incluí como conclusão num de meus livros. É preciso levar em conta o contexto histórico em que foi escrito. Era o início da segunda revolução científica, que se afirmaria com Newton. A primeira dizia respeito ao movimento da Terra, com Copérnico, Kepler e Galileu. A segunda revolução afirma a idéia da infinitude do espaço. Tal idéia incomoda alguns, entusiasma outros. No plano filosófico, é retomada por Giordano Bruno e principalmente por Descartes. O texto de Pascal aparece no momento em que se começa a vislumbrar a possibilidade do espaço infinito. Essa concepção não é inédita. Os atomistas gregos e Nicolas de Cuse, no século 16, a haviam cogitado. A novidade é que Pascal situa o homem entre o infinitamente grande e, pela primeira vez, o infinitamente pequeno. Situa a dimensão humana entre os dois extremos. Essa problemática não cai de moda. Eu a constato nas questões que surgem nas minhas conferências: as pessoas sempre se perguntam sobre seu lugar e sua importância no cosmos.


Quais são hoje os conhecimentos elementares que cada um deveria ter em cosmologia?


Primeiro, seria preciso transmitir um mínimo de história das idéias científicas para permitir que todos compreen­dessem como se chegou às atuais concepções. Não se pode apreender o estado de uma ciência sem conhecer sua história – coisa, aliás, que não é simples. Tenho freqüentemente a oportunidade de constatar que um grande número de pessoas não assimilou a física que lhe ensinamos na escola. Entretanto, trata-se da física de Galileu [Galilei (1554-1642)] e de [Isaac] Newton (1643-1727).  Ela tem três ou quatro séculos de atraso com relação aos nossos trabalhos de hoje. Para a maioria das pessoas, a concepção do Universo é amplamente pré-galileana. Elas não conhecem as contribuições de Einstein e da física quântica, que, no entanto, já têm um século. Não são sempre ensinadas na faculdade. Recentemente, numa escola superior de física e química industrial, uma grande escola de onde saíram prêmios Nobel como Gilles de Gennes [(1932-2007), prêmio Nobel de Física, estudioso da matéria condensada e dos cristais líquidos], fiquei estupefato ao ouvir alunos me dizerem que não tinham aulas de relatividade. Nesse nível de excelência, é inacreditável!


Quais as principais conseqüências desse anacronismo?


Nessas condições, é extremamente delicado fazer passar essa idéia compartilhada pela comunidade científica de que o universo não é infinito e sem margem: se você pegar um foguete e for em frente, um dia, depois de bilhões de anos, vai encontrar-se no seu ponto de partida, qualquer que seja a direção de que tenha saído. É preciso passar essa idéia, de que o universo não é nem eterno nem estático. As galáxias, as estrelas, os astros não existem eternamente. Num tempo longínquo, vizinho do que se chama de Big Bang, o Universo não era feito como hoje de planetas, estrelas e galáxias. Era um espaço cheio de um gás ultraquente, ultradenso, que se dilatava. Estruturou-se progressivamente. Temos então uma história do universo, bem sustentada por nossas teorias e nossas experiências científicas das partículas elementares que acabaram por formar os primeiros átomos. É assim que apareceram as primeiras estrelas, as primeiras galáxias, os primeiros planetas. É bom também conhecer a ordem de grandeza do tempo do universo, em torno de 15 bilhões de anos. Nosso pequeno mundo, a Terra, o sistema solar, remonta a 5 bilhões de anos. Isso nos faz compreender que chegamos tarde na história do Universo e que várias estrelas nos precederam e desapareceram. Decorre daí a noção de destino da Terra. Os astros têm uma duração e uma vida finita. Então nosso Sol acabará por se extinguir, a Terra igualmente… Mas não antes de alguns bilhões de anos. De todo modo, a sorte de nosso planeta não está ligada aos homens, que só representam uma ridícula pequena camada de micróbios em sua superfície.


Deve-se concluir,  então, que o homem não tem responsabilidade para com seu meio?


Obviamente não. É bastante claro que o homem deve ter consciência de sua responsabilidade sobre seu habitat a curto termo, para alguns séculos vindouros e as gerações futuras. Mas não é ele que vai mudar o destino do Sol ou da Terra nesse longo termo que é o da cosmologia.


Como transmitir esses conhecimentos elementares? Qual pedagogia pôr em prática para chegar a esse fim?


O contexto não é favorável num país em que a difusão da cultura científica não constitui um ponto forte. E como poderia ser com essa ruptura absoluta entre humanas e ciências na escola? Entendo que nem todos sejam apaixonados por equações, mas um curso de história das idéias científicas pode ser apaixonante para os literatos.  Nunca vivi pessoal­mente essa ruptura. Se é verdade que segui estudos de matemática, interessava-me mais por literatura, arte e música, sem saber o que seria minha orientação profissional. E isso durou até o mestrado. Não vivi meu mestrado de cosmologia como uma ruptura: a história do espaço e do tempo correspondia às interrogações filosóficas e metafísicas que me apaixonavam. E sou muito apegado à difusão do conhecimento. Se estivermos apaixonados, o público também fica. Os romances científicos e históricos permitem tocar um público diferente.


Para o senhor, a difusão passa apenas pela via literária?


Participo de documentários audiovisuais e animo conferências. Os astrofísicos têm a sorte de poder utilizar imagens suntuosas e tratar de assuntos de interrogações suscitadas pela curiosidade. Aconteceu-me de intervir numa classe de 2º grau a pedido de um professor de física desesperado com a indiferença dos alunos à sua disciplina. Eles me acolheram sem entusiasmo. No final, mostraram-se muito interessados.


Qual sua estratégia para transformar esse desinteresse em curiosidade?


É preciso mostrar-lhes que a física não se reduz a fórmulas matemáticas a serem decoradas para resolver um problema ou passar num exame. É preciso colocar em evidência o lado intuitivo e criativo da pesquisa científica. Não se deve hesitar em extrapolar. Quando falo dos buracos negros aos adolescentes, menciono-lhes as possibilidades de viagens espaço-temporais, precisando-lhes que se trata de uma teoria ainda especulativa. Todos assistiram aos filmes Stargate ou Star Treck. Isso tem eco para eles. Qualquer que seja o público diante do qual nos encontramos, adulto ou adolescente, acabamos sempre por voltar às questões fundamentais. Para onde vamos? Isto é, o fim do Universo, os buracos negros, a morte da Terra. De onde viemos? Isto é, o Big Bang, o nascimento do mundo. Estamos sozinhos no Universo? Ou seja, a problemática da vida extraterrestre. Se não tratarmos esses três assuntos de uma forma muito carregada, hermética, eles interessam todo mundo, até os mais insensíveis.


O senhor também se preocupa muito em construir pontes que interliguem a arte e a ciência…


Pinto e exponho regularmente. Estou atualmente trabalhando no terceiro e penúltimo tomo de meu ciclo romanesco "Os construtores do céu": O olho de Galileu deve sair no fim do ano. Em 1991, com o compositor de música espectral Gerard Grisey, escrevemos uma ópera, O negro da estrela, que integra ritmos cósmicos, especialmente os sinais de rádio emitidos regularmente pelos pulsares, que são cadáveres de estrelas. Publiquei, há três anos, Os poetas e o Universo, uma antologia de poetas visionários, entre os quais Edgar Allan Poe, que, no texto Eurêka, de 1848, teve a primeira intuição da resolução sobre o enigma científico do negro da noite. É completamente apaixonante pincelar a história paralela do modo como os astrônomos de um dado período histórico perceberam o Universo e a maneira como isso é elaborado na consciência poética da época. Não se deve nunca perder de vista que no começo, em grego, a palavra cosmos significava beleza e estética antes de remeter ao mundo físico.

(Tradução: Mônica Cristina Corrêa)


Pascal, o homem e a natureza

"(…) Pois enfim, o que é o homem na natureza? Um nada diante do infinito, tudo diante do nada, um meio entre nada e tudo, infinitamente longe de compreender os extremos, o fim das coisas e seu princípio são para ele invencivelmente ocultos num segredo impenetrável, igualmente incapaz de ver o nada de que foi tirado, e o infinito onde foi absorvido (…)

O homem não é senão um caniço, o mais frágil da natureza, mas um caniço pensante. E não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo, basta uma gota d’água para matá-lo. Mas quando o universo o tivesse esmagado, o homem seria ainda mais nobre do que aquilo que o mata, pois ele sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele. O universo não sabe nada disso.

Toda dignidade consiste então no pensamento. É daí que temos de nos elevar, e não do espaço e da duração, que não saberíamos preencher. Trabalhemos então para pensar. Eis o princípio da moral. O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora."
Pensamentos, 1658, de Blaise Pascal (1626-1662), matemático, físico, escritor e moralista francês.


Do infinitamente pequeno ao infinitamente grande

Nos Pensamentos, Pascal dá-se conta da pequenez do homem no universo, ainda que seja capaz de compreendê-la por uma reflexão. Pois mesmo face ao assustador infinito, toda a dignidade do homem reside no pensamento. 

Autor

Ensino Superior


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