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Escutatória

A potência do silêncio

Publicado em 10/09/2011

por José Pacheco

Há um tempo para cada coisa, até para reter a oratória. Retomo, agora, a palavra, num reverente silêncio de escutatória. Por vezes, são tão densas as palavras escutadas, que se aproximam da leveza dos silêncios. Venho falar-vos de palavras assim.

O meu amigo Carlos (se todos os professores fossem feitos do seu molde!) escreveu-me:
Caro Zé, não conhecia ainda o sabor amargo da tristeza profissional. Há quem diga que, mesmo nos momentos difíceis, há que saber tirar os ensinamentos da vida. Eu não consigo. Só quero mudar de escola e poder projectar-me de novo. Aquela sensação de poesia interior, que tantas vezes me avassalou, está longe de mim. Sinto-me prosa insignificante, com alma de manual escolar. Sei que percebes aonde eu quero chegar.

Eu sabia aonde o professor Carlos queria chegar. E, por saber, me quedei em silêncio, num fraterno e comovido silêncio. Que poderia eu dizer, amigo Carlos, que não fosse deturpado por aqueles a quem convém que o silêncio protetor da mediocridade te esmague? Que poderia eu escrever, que não fosse açoitado por aqueles que te roubam a “poesia interior”?

Alguém quis que eu escutasse uma criança, que me falou com o olhar:
Hoje, aconteceu uma coisa muito importante na minha vida. Quando acordei, chamei a minha mamã e disse-lhe: “Tona pupa. Num qué!”(tradução: Toma a chupeta. Não a quero!). A minha mamã perguntou: “Não queres a pupa, filhota? Então vamos pô-la no lixo?”. Eu respondi: “Sim, à uixo!” (tradução: Sim, no lixo!). Fui até à cozinha, no colo da minha mamã. E deitei a minha chupeta fora. O pior aconteceu quando fui dormir. Não tinha percebido as consequências do meu corajoso ato e chorei, até adormecer. Soube que os meus papás também sofreram muito, do outro lado da porta. Conversaram comigo e eu acabei por perceber que a chupeta estava muito porca, dentro do lixo, e que eu sou uma menina grande e já não preciso dela para dormir. Estás contente por mim, vovô?


Só mais umas palavrinhas de uma professora:


Os meus alunos leram-me uns textos. A capacidade e a coragem que eles tiveram de se abrir diante de todos!… Foi, simplesmente, fantástico. Fiquei muito feliz! E confesso – ainda que, didaticamente, não seja correto – que chorei diante dos meus alunos, quando leram um dos textos, que tinham preparado para mim. Uma aluna chegou a dizer-me que, a partir daquele dia, era uma nova e outra mulher, mais forte, mais digna. O marido dela olhou para mim e agradeceu-me… com o olhar. Eu não sabia, mas ela tem um tumor maligno e faz quimioterapia. Perdeu todo o cabelo, sofreu muito, mas está reencontrando o sentido de viver.

Silêncio, mais uma vez. Redescubramos a importância do silêncio. Nele estão contidas as respostas para as perguntas essenciais. Por vezes, nos lugares onde o diálogo acontece, o silêncio pode falar mais alto. Por vezes, durante as minhas conversas com educadores, um estranho sentimento me assalta e sinto-me esmagado pelo peso das palavras, ou pela inutilidade do seu uso –
só se vê bem com o coração, não é asim?

Isso acontece quando algum dos meus interlocutores fica com ar absorto, com o sonho a saltar-lhe das órbitas. Enquanto uns me vêm dizer que farão obras maravilhosas, outros retêm-se a um silêncio que me assegura ter esperança de não ter estado a falar em vão. O silêncio é da mesma natureza do sonho. E, se Victor Hugo disse que se deverá julgar um homem por aquilo que ele sonha mais do que por aquilo que ele pensa, mais valerá considerá-lo por aquilo que cala do que por aquilo que diz.

*
José Pacheco


Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)



josepacheco@editorasegmento.com.br

Autor

José Pacheco


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