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Correndo atrás

Com quase uma década de atraso, a maior cidade brasileira finalmente está perto de aprovar seu Plano Municipal de Educação

Publicado em 10/09/2011

por Carmen Guerreiro





Quase dez anos depois da entrada em vigência do Plano Nacional de Educação (2001-2010), a cidade de São Paulo deve terminar de construir seu Plano Municipal de Educação (PME) e liderar um movimento para que outros municípios sigam o exemplo. Depois de inúmeras tentativas para aprovar um documento que estabelecesse metas educacionais para o município, as forças que o articularam e atribuíram prioridade à sua criação planejam entregá-lo à Câmara Municipal e à Assembleia Legislativa do Estado até o final de junho.

Na avaliação de representantes dos movimentos populares, a consolidação do Plano representa a vitória de anos de pressão exercida por educadores, gestores, pais, estudantes e ativistas da sociedade civil. Foi essa pressão que recolocou a construção de um PME para São Paulo na agenda pública. Denise Carreira, representante da ONG Ação Educativa no grupo de trabalho de educação do Movimento Nossa São Paulo, conta que os participantes do GT rearticularam o plano, a partir de 2008, por meio de contato com organizações da sociedade civil. Conseguiram, assim, o apoio do secretário de Educação Alexandre Schneider e, em 2009, começaram a colocar as ideias em prática. "Como o PNE deixou a questão dos planos municipais muito solta, os representantes do campo político entendem que não é algo prioritário. Seguimos uma lógica que torna isso uma prioridade, então hoje tenho a esperança de que o próximo PNE fale do tema mais precisamente, estabelecendo um prazo", afirma Denise. O governo federal deveria enviar até o final de junho um projeto de lei com a proposta do novo Plano Nacional de Educação, que trará as diretrizes para o setor no decênio 2011-2020.


O processo


A elaboração do Plano de Educação da Cidade de São Paulo – como foi batizado para enfatizar que não diz respeito apenas à rede pública municipal – caminha em quatro etapas. Na primeira, a ação foi local. Escolas protagonizaram atividades e reuniões entre pais, alunos, professores, gestores e sociedade civil da comunidade, nas quais discutiram problemas da educação e propostas de como melhorar. No fim de cada uma das mais de 2 mil atividades realizadas por todo o município, um documento era gerado para a etapa dois, na qual as prioridades foram sistematizadas de acordo com seu setor (educação infantil, de jovens e adultos, superior etc.) e foram eleitos delegados para apresentar as principais propostas na terceira etapa, distrital. Nessa fase, plenárias de todas as subprefeituras organizaram as prioridades colocadas nas etapas anteriores e elegeram representantes para participar da Conferência de Educação da Cidade de São Paulo, realizada entre 18 e 20 de junho para discutir as propostas e redigir um documento final para a aprovação legal do município e do estado.

As propostas do PME envolvem 15 eixos temáticos: educação infantil; ensino fundamental; ensino médio; ensino superior; educação de jovens e adultos; educação indígena; educação profissional; educação inclusiva; educação a distância; desigualdades, discriminações e diversidades; educação e meio ambiente; valorização dos profissionais de educação; gestão educacional e regime de colaboração; financiamento da educação;  gestão democrática, controle social e participação.

Por seu caráter decenal e, em tese, apartidário, o Plano tende a ser uma política mais estável, com metas para um período mais amplo que as gestões que devem ser pautadas por ele. Com esse escudo, o documento pretende garantir seu objetivo principal de criar metas para a educação da cidade como um todo, articulando redes pública e privada, municipal, estadual e federal. "Esperamos que o município passe a ter políticas de Estado para a educação em vez de políticas partidárias ou pessoais, que mudam toda vez que se troca o partido no poder ou o secretário da Educação", diz Janete Oliveira, representante do Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp) na elaboração do Plano. Denise, da Ação Educativa, complementa: "O Plano é um instrumento de planejamento e construção da política que deve enfrentar desafios estruturais e mobilizar o que a cidade tem de melhor, independentemente de ser a gestão privada ou do município, estado ou União. O documento coloca no tempo as metas e condições para sua implementação". Assim como na elaboração do Plano Nacional de Educação, amarra fontes de recursos financeiros para a realização das metas.

Da mesma forma que o PNE, os planos municipais devem funcionar, idealmente, com o diagnóstico dos problemas, diretrizes e propostas para melhoria e, por fim, com a designação de metas com prazos e recursos determinados. A organização dos dois documentos, no entanto, é diferente. Naturalmente, os planos municipais respeitam as prioridades regionais e comunitárias e por isso têm de agir em um nível mais local.
 

Construção conjunta


O principal diferencial da versão paulistana é que levou bastante em conta a participação da sociedade civil –  seja por meio de organizações, seja individualmente ou em grupos, na elaboração do documento. "Muitos municípios contrataram consultorias especializadas e fizeram planos de gaveta, mandando para o legislativo algo pronto, sem a preocupação de envolver a sociedade e de qualificar a própria política", observa Denise. A importância de trazer os indivíduos e organizações da sociedade civil é dar um caráter mais ligado à realidade local para as propostas: essas pessoas podem levar para o documento final sua visão de comunidade e colocar demandas locais.

Mas a batalha não foi comprada por todos. As escolas particulares não participaram  ativamente das discussões. "Infelizmente, na rede privada os professores estão vinculados a uma escola, e a dimensão do todo às vezes é menor em relação a quem está na rede pública, na qual existe uma noção maior de rede, município, até porque as decisões e propostas pedagógicas são feitas em rede. No âmbito particular, os profissionais da educação estão preocupados com aquela escola e cada um tem seu projeto", afirma Artur Costa Neto, diretor do Sinpro-SP (Sindicato dos Professores de São Paulo). As decisões, no entanto, dizem respeito a todos – por exemplo, a aplicação de leis como a do ensino obrigatório de cultura indígena, africana e afrobrasileira.


O processo


Com tantas posições, prioridades e interesses, a tomada de decisão exige mais articulação. "A construção é democrática e, por isso, é natural que surjam divergências. Democracia é isso: a gente vai construindo junto e enfrenta as diferenças. Isso só torna o processo mais rico", defende Denise. Para Janete, do Sinesp, as dificuldades são as normais de um processo que envolve segmentos tão diversos da sociedade numa metrópole como São Paulo. "Há lentidão para decidir, dificuldade no cumprimento de prazos, problemas enormes na divulgação e na mobilização de pessoas", aponta.

Além do processo de construção e elaboração de propostas e metas ter sido aberto para toda a população por meio de consulta pública, o Plano de São Paulo conta com uma comissão executiva composta por 24 entidades, entre órgãos do governo, ONGs, sindicatos, fóruns, universidades, institutos de pesquisa, grupos estudantis, empresas e cidadãos sem vínculo institucional. A comissão organizou as plenárias, sistematizou os resultados e acompanha o processo de construção do Plano em suas quatro etapas.
Dentro desse grupo executivo estão representadas as agendas políticas dos envolvidos. "O processo está muito comprometido com a ideia de captar as desigualdades no território de São Paulo. Fóruns e movimentos sociais estão vinculados às suas regiões e enxergam o projeto como uma oportunidade de levar ao público a realidade daquele lugar", descreve Denise. Assim, o movimento negro trouxe a questão do racismo na educação; as comunidades boliviana e peruana enfatizaram as questões da imigração e da discriminação; os profissionais da educação deram mais atenção a temas ligados à melhoria das condições de trabalho.

Uma demanda mais local, por exemplo, foi colocada pelo Fórum para o Desenvolvimento da Zona Leste, parte da comissão executiva e representado por Valter Costa. Segundo ele, a região leste da cidade precisa de mais investimentos em pesquisa e ensino superior. Por isso, uma das propostas é a criação de um Observatório de Políticas Públicas, coordenado pela USP Leste, ramo da Universidade de São Paulo na zona leste.

Uma das prioridades da região está na lista de propostas de diversas organizações da comissão executiva: acesso à educação infantil. Essa é também a principal prioridade apontada por Neide Lopes, representante do Fórum em Defesa da Vida e pela Paz. "Queremos zerar o déficit de creches da região, que é uma pauta antiga", observa. Segundo Valter, além de criar mais creches, é necessário que elas sejam administradas exclusivamente pela Prefeitura, e não em sistemas de convênio, como é hoje. "Essa política de terceirização da educação infantil desqualifica o atendimento", critica.

Essas são apenas algumas das 240 prioridades sugeridas pelos membros da comissão executiva do Plano. Ainda há muitas outras, elaboradas nas plenárias pela população. Como mostra a experiência nacional, o exercício de elaborar o documento, diagnosticando problemas, identificando prioridades e contrastando-as com as de outros setores, é, por si só, um exercício de amadurecimento para a gestão da educação.

Problemas com a divulgação

Entre as organizações com assento na Comissão Executiva do Plano, prevaleceu a opinião de que a participação da sociedade poderia ter sido mais intensa caso a população soubesse de seu processo de elaboração. "Não houve a divulgação efetiva como havíamos solicitado à prefeitura. Os cartazes sobre as plenárias ficaram prontos na mesma semana em que começaram as reuniões", observa Neide Lopes, representante do Fórum em Defesa da Vida e pela Paz. Segundo ela, a publicidade do Plano deixou a desejar porque deveria ter como alvo toda a população, não apenas as escolas. "Pedimos que fossem cartazes para os ônibus, os metrôs, e nada disso aconteceu", critica. Valter Costa, representante do Fórum para o Desenvolvimento da Zona Leste, concorda e acrescenta que a população não foi alcançada pela mídia. "Se você não investe, não incentiva, não estimula, não há participação efetiva", afirma.

A Secretaria Municipal da Educação contesta, alegando que a divulgação foi feita. "Cada representante ficou responsável por divulgar. A secretaria fez sua parte, bancou os cartazes. Na primeira plenária já havia muita gente, entre professores, pais de alunos, estudantes, universitários", afirma. Segundo a Secretaria, a orientação junto às escolas foi feita através do Diário Oficial, para que eles cuidassem da divulgação.

O histórico do plano de São Paulo

– Desde 1999, movimentos sociais e ONGs pressionavam para a elaboração de um planejamento oficial para a cidade

– Em 2001, o Plano Nacional de Educação estabeleceu que estados e municípios deveriam criar seus planos de educação, mas poucos o fizeram

– Em abril de 2008, após duas reuniões de organizações da sociedade civil para discutir a criação do Plano e elaborar um cronograma de execução, o secretário de Educação da cidade, Alexandre Schneider, assumiu o compromisso de construir o PME

– Em agosto de 2008, compôs-se uma comissão organizadora do plano e, em setembro, a comissão executiva (existente até hoje)

– O plano começou a ser elaborado apenas na passagem de 2009 para 2010, inicialmente nas escolas, depois nas subprefeituras e enfim na Conferência de Educação da Cidade de São Paulo, cuja reunião resultará num documento final a ser submetido a votação no Poder Legislativo

Saiba mais:


www.acaoeducativa.or.br/deolhonoplano

Autor

Carmen Guerreiro


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