Espaço dedicado à educação nos jornais diários aumentou 16 vezes entre 1996 e 2004, mas cobertura ainda precisa ser menos dependente de governos e ampliar o leque de fontes e assuntos; tensão permeia relação entre jornalistas e intelectuais acadêmicos
Publicado em 10/09/2011
Quase um mês depois do lançamento oficial do Plano de Desenvolvimento da Educação, anunciado pelo governo federal em 24 de abril deste ano, o apresentador Jô Soares recebeu em seu programa noturno de entrevistas o ministro da Educação, Fernando Haddad. Desenvolto e sabendo capitalizar o crescente interesse da sociedade pelos temas de sua pasta, o ministro ficou no ar por dois blocos – quase 22 minutos – deferência só prestada aos entrevistados de maior prestígio.
Confiante em sua verve e em seu olhar sobre os problemas brasileiros, o mais que experiente Jô Soares não pareceu pautado o bastante para trazer à tona as questões do momento e, sobretudo, com pontos de vista atualizados. Insistiu em surrar a progressão continuada, sem se dar conta de que ela não está em todas as redes e que não é, segundo estudos, fator decisivo para a qualidade da educação. Pediu a interferência do MEC na greve da Universidade de São Paulo – instituição estadual – e em redes municipais que cometem desatinos, como se o centralismo federal fosse portador da ordem e da razão pedagógica. E reavivou o discurso da escola pública de qualidade, lembrando de figuras proeminentes que ali se formaram nos anos 50, sendo que desde então a população do país foi multiplicada quase por quatro. E que, naquela época, muitos ficavam de fora da escola.
À semelhança do script do apresentador de TV, carente de mais dados e menos impressões, a cobertura de educação realizada pela imprensa, especialmente pelos grandes jornais, a despeito de ter ganho espaço e qualidade nas duas últimas décadas, padece ainda de antigos problemas. Entre eles, a excessiva dependência da agenda governamental, a recorrência abusiva a algumas fontes, a superexposição de certos temas, a invisibilidade de outros e uma renitente desconfiança mútua entre jornalistas e acadêmicos.
De qualquer forma, assim como cresce a preocupação e a importância atribuídas à educação pela sociedade, aumenta também a presença do tema nos jornais diários e revistas. Prova disso são as análises de mídia feitas pela Agência Nacional dos Direitos da Infância (Andi), entidade criada por jornalistas em 1993 com o objetivo de ajudar a aumentar a aceitação social dos então novos marcos legais relativos a crianças e adolescentes, por meio de uma mudança de posição dos veículos de comunicação.
Em 1996, a Andi começou a rea-lizar análises sobre a cobertura da mídia, contemplando todo o noticiário de 50 jornais diários brasileiros. Nesse primeiro ano, foram veiculadas perto de 10 mil matérias sobre a infância e a adolescência, sendo que a prisão de menores e outros temas ligados à violência detinham a primazia do número de aparições. À educação restava o 5º lugar. Em 2004, os mesmos 50 jornais veicularam 16 vezes mais notícias (cerca de 160 mil) sobre infância e adolescência, com a educação sendo o objeto principal da cobertura, o que já vinha ocorrendo desde 1998.
“Trabalhamos a partir de três eixos estratégicos”, conta Guilherme Canela, coordenador de Relações Acadêmicas da Andi. “Primeiro, de que a cobertura não é uma questão de militância do jornalista, e sim de se fazer bom jornalismo. Segundo, de que é preciso monitorar a mídia, com dados objetivos da cobertura. E terceiro, de que é preciso qualificar a cobertura”, explica Canela. Para cumprir a terceira estratégia, a instituição prepara análises e estudos como o recém-lançado “Orçamento Público e Educação”, que analisa a maneira como jornais e revistas relacionam educação e execução de orçamentos públicos.
Mas um dos pontos centrais da atuação da Andi talvez seja o de tentar delinear o que seja um bom jornalismo, resumido em três itens: textos que ofereçam informação contextualizada; que busquem o agendamento de prioridades públicas; e, por fim, que fiscalizem os governos. No dia-a-dia do jornalismo, no entanto, ter tudo isso ao mesmo tempo muitas vezes é um oásis.
Profissão, repórter
Nos três jornais brasileiros cujas opiniões têm maior repercussão, a educação ainda é muito tributária do que Canela classifica de “questão de militância”. Em O Globo, O Estado de S.Paulo e na Folha de S.Paulo, apesar de muitos jornalistas e articulistas escreverem sobre o tema, a cobertura é puxada por um repórter devotado à área que acaba responsável pela seleção dos assuntos. O perfil do jornal e de seus leitores torna-se um indicativo daquilo que terá boa aceitação se proposto como pauta. Ao contrário de outras editorias como política e economia, a interferência da direção é pouca ou nenhuma.
Antônio Gois, repórter de educação há 11 anos: defesa do embargo de dados para que as equipes tenham tempo de elaborar melhor suas pautas |
“Dada a desimportância da educação nos jornais e na sociedade em geral, não vejo uma linha nítida estabelecida para a cobertura na grande imprensa. Além disso, há coisas da cultura dos jornais que acabam influenciando o que se noticia. Por exemplo, o ensino superior é muito mais próximo dos jornais do que a educação básica, pois há muitos professores universitários entre os leitores”, relata Antônio Gois, principal encarregado dos temas de educação na Folha de S.Paulo.
Para Antônio Carlos Pereira, que há 10 anos coordena os editorialistas de O Estado de S.Paulo, o interesse da publicação no ensino superior está intimamente ligado à educação básica. “Desde que o jornal participou da criação da Faculdade de Filosofia da USP, nos anos 30, a preocupação era com a formação de professores. Hoje não é muito diferente, continuamos com a mesma necessidade”, diz.
Para Antônio Gois, a política de avaliações instituída a partir do governo Itamar Franco com o ministro Murílio Hingel, que ganhou força nos dois mandatos de FHC e nos dois de Lula, tem contribuído para aumentar o espaço dado à educação nos jornais, além de tornar a cobertura mais objetiva.
“No início da minha carreira cobrindo educação, falava muito mais com gente com base nos livros que eles tinham lido. Hoje, falo mais com quem analisa os dados do Saeb, por exemplo. Isso melhorou a cobertura. A discussão sobre ciclos, que existe desde que a [Luiza] Erundina foi prefeita de São Paulo, deixou de ser feita tão em cima de paixão e de preferência política e passou a acontecer a partir de dados mensuráveis, o que mostrou que eles não são assim tão determinantes para a qualidade”, exemplifica Gois.
A avalanche de dados gerados por fontes oficiais ou pesquisadores, no entanto, traz outra ameaça à cobertura: a de um olhar excessivamente economicista sobre a educação, que por sua vez embute uma guerra no campo teórico: a de pedagogos e “economistas da educação”.
“É preciso tentar aproximar os dois lados, ter cuidado para não matematizar todas as questões pedagógicas. Mas também há muito educador que despreza as análises econométricas”, avalia o repórter. Como exemplo de relativização da importância dos números, cita a questão do salário dos professores. Pesquisas recentes dão conta de que o puro e simples aumento do ganho docente não melhora os resultados dos alunos. “Mas não quer dizer que o salário não deve ser bom. No longo prazo, isso faz com que as melhores cabeças abdiquem da carreira, o que piora a educação. Isso não é pego por esse tipo de análise”, conclui.
Para Renata Cafardo, repórter titular da área em O Estado de S.Paulo, os dados podem ser um ponto de partida para a aferição da questão da qualidade. Até o final de julho, ela ainda tentava emplacar uma grande reportagem que incluía viagens às escolas de melhor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). “Se mostrássemos essas escolas de perto, poderíamos saber o que é e o que não é fator gerador de qualidade.” A urgência cotidiana, no entanto, tem falado mais alto. Quando o governo anunciou o novo índice, Renata teve dois dias para fazer sozinha um caderno de quatro páginas. A viagem para aferir as escolas in loco ainda não tinha previsão.
Na visão de Sílvia Fonseca, editora da área Nacional de O Globo, a qualidade é a grande questão da educação brasileira hoje. Para ela, os fatores que concorrem para isso são a “falta de formação adequada para os professores, os baixos salários e os altos índices de repetência e evasão escolar, entre outros”. Segundo a editora, O Globo não parte de nenhuma concepção específica de educação, apenas “defende o ensino de qualidade, voltado para a formação de cidadãos para o mercado de trabalho e para a vida, como também noções claras de cidadania, respeito ao meio ambiente etc.”.
Como tem sido corrente em vários segmentos sociais, o jornal atribui ao mau desempenho da educação muitas das amarras que emperram o desenvolvimento do país. A publicação tem investido de forma mais sistemática no tema, com a edição de um caderno voltado para juventude e educação, além de alguns especiais, como na última eleição presidencial.
Para Antônio Carlos Pereira, de O Estado, a qualidade no ensino fundamental se traduz de forma simples: “o aluno tem de saber ler, escrever, contar e pensar. No ensino médio, tem de sair sabendo pensar, com um instrumental tal que permita a ele ficar a vida toda com esse nível de conhecimento sem que seja excluído da sociedade”, avalia.
Para Mariângela Graciano, coordenadora do Observatório da Educação, entidade fundada há cinco anos com o objetivo de intervir com uma visão mais pluralista no debate sobre políticas públicas para o setor, um problema central da cobertura é que a educação ainda é vista como um serviço, não como um direito público que deve garantir que as diferenças sejam respeitadas.
Por essa razão, quando vem à tona o debate sobre qualidade, fica muito voltado a um conceito empresarial de gestão, em que o que importa é o resultado, e não como se chegou a ele. “Quando se fala de qualidade, trata-se de fazer ranking dos exames, e as nuances se perdem”, avalia.
Há cerca de dois anos, o Observatório, ligado à ONG Ação Educativa, começou a fazer análise de mídia. Com a edição do boletim quinzenal Ação na Mídia, priorizou-se um olhar a partir da concepção da entidade de que, sendo a educação um direito, se este não for cumprido, o caminho para fazê-lo valer é recorrer à Justiça.
“É interessante a maneira como as notícias tratam das violações. São apenas eventos, e não direitos infringidos”, alerta Mariângela.
Outros veios da atuação do Observatório são a tentativa de chamar a atenção dos jornalistas para “temas invisíveis” e para diversificar suas fontes, ampliando o olhar sobre as questões. No caso dos temas que têm pouca visibilidade, o esforço da entidade é para trazê-los ao noticiário sob a ótica de políticas públicas. Um exemplo disso é a educação no âmbito das prisões, que começou a ganhar espaço nos últimos tempos.
Fontes: mais e melhores
No caso da proposta de ampliação do universo de fontes, prática também adotada pela Andi, a entidade busca ser o elo entre jornalistas e pesquisadores, de forma a aumentar o número de matérias que têm como ponto de partida a pesquisa acadêmica. Para isso, começou em agosto último a reunir grupos de discussão com professores, alunos, jornalistas e representantes de organizações da sociedade civil.
Guilherme Canela, da Andi: “é preciso monitorar a mídia, com dados objetivos da cobertura” |
A aproximação entre professores da educação básica e jornalistas não é à-toa. Como o contato com os professores da rede pública normalmente precisa ser chancelado pelas assessorias de imprensa das respectivas secretarias, assim como o acesso às escolas, a cobertura acaba por não ouvi-los ou, quando o faz, traz apenas relatos carregados de vezo oficial, com docentes que falam de projetos com os quais estão envolvidos. Difícil, nesses casos, extrair algo que vá além do elogio e do lugar-comum.
“Todo mundo fala sobre educação e quem trabalha diretamente com o assunto, que é o professor, não pode falar. Isso faz parte da tentativa de fazer com que o ofício perca o seu caráter político. O professor está perdendo a voz, a autoridade”, acredita Mariângela.
Para os jornalistas, a preocupação com as fontes é uma constante. Apesar de se reconhecer que é preciso ter interlocutores com posições variadas que tragam novos ângulos a cada questão, os repórteres sabem que em muitas ocasiões devem recorrer a algumas fontes cativas, em quem confiam, que possam fazer análises pertinentes sobre a última medida editada pelo governo, a qual tem de se transformar em matéria para a edição do dia seguinte.
“Temos um esforço quase diário para trazer gente nova. Minha preocupação ao fazer uma reportagem é trazer diversidade. Tento fazer com que, ao final do texto, o leitor tenha uma dúvida, não uma certeza. Nas minhas melhores reportagens, os dois lados ficam insatisfeitos comigo”, diz Antônio Gois, da Folha.
Para Renata Cafardo, uma condição sine qua non é que a fonte seja clara e didática. Como exemplo, cita uma professora da faculdade de Educação da USP, com quem sempre “aprende algo novo”.
Nessa busca, no entanto, os repórteres esbarram em questões ligadas à falta de entendimento mútuo sobre as leis dos campos jornalístico e acadêmico, aquele para onde naturalmente se dirigem ao tentar obter análises ao mesmo tempo mais qualificadas e diversificadas.
Os problemas são de ordem diversa. De um lado, os jornalistas normalmente têm uma urgência incompatível com os tempos da universidade, que exigem processos mais longos de maturação das idéias, além de as fontes terem também suas próprias prioridades. De outro, como aponta Renata, no meio universitário muitas vezes não se sabe o que potencialmente é notícia. “Muitas vezes, no meio de uma conversa, surge um comentário qualquer sobre algo muito interessante, falado como se fosse sem relevância”, diz.
Mas o nó maior parece ser mesmo a desconfiança que muitos intelectuais acadêmicos nutrem pelos jornalistas e o sentimento de que a mídia é protagonista de uma invasão nas discussões sobre formulações para a educação, exercendo um poder social para o qual não está preparada por não dominar os fundamentos teóricos do campo.
Em parte, os intelectuais estão certos. Afinal, a grande maioria dos repórteres que cobre o tema começaram a fazê-lo a partir de um interesse genérico que vai se transformando em conhecimento – muitas vezes não sistematizado – ao longo dos anos. Mas, por outro lado, a academia se mantém numa postura arredia, sem enxergar que nos tempos correntes os meios são o espaço de embate político e de idéias, e que pesquisas, teses e propostas geradas na universidade interferem na vida de outros cidadãos.
Um exemplo cristalino das tensões entre repórteres e intelectuais pôde ser observado com a inauguração do blog da própria Renata Cafardo, lançado em 16 de julho. Em seu post (texto) inicial, “Primeiras Letras”, discorreu sobre as diferentes etapas da escolarização formal, tentando atualizar o leitor sobre a atual nomenclatura. O texto utiliza uma linguagem mais informal que a do jornal diário, característica verificada em muitos blogs. A repercussão, no entanto, foi além do esperado.
Essa primeira inserção recebeu 173 comentários, muitos elogiando a iniciativa, outros mais ácidos. “A quantidade de críticas que você recebe é enorme. Cada post que coloco gera, em média, uns 200 comentários. Cerca de 20% são agressivos. Parece que muitos são de professores que te vêem como alguém desqualificado para falar de educação”, desabafa Renata.
Os Cieps, no Rio de Janeiro: objeto de reportagens de O Globo, tidas como exemplares na cobertura de educação |
Na busca do tom mais coloquial, a repórter escreveu “ensino básico”, em lugar de educação básica, o que gerou algumas reprimendas e uma troca de comentários mais extensa com o professor Paulo Ghiraldelli Jr., professor de Filosofia da Educação do Centro de Estudos de Filosofia Americana. Nela, houve uma discussão sobre a educação infantil em que Renata, após acusar o docente de “estar defasado”, defende que mesmo para as crianças menores existe um processo importante de aprendizagem. Paulo responde dizendo que nessa fase existe educação, não ensino. O professor, ao introduzir sua resposta, recorre ao discurso de autoridade para enfatizar seus argumentos posteriores: “Eu não estou defasado, o problema é que eu uso os termos corretos, por dever de ofício, entende? Essa é a diferença entre o scholar e o curioso”.
A dificuldade dessa interlocução, aliada às reduzidas equipes dos jornais e o tempo escasso, faz com que o noticiário ainda seja extremamente reativo à agenda governamental. Para Guilherme Canela, da Andi, apesar de uma sensível evolução, esse ainda é um dos pontos problemáticos da cobertura. Para o analista, houve um salto de qualidade na virada do século, com maior diversificação de fontes. Resta, ainda, que imprensa e meio acadêmico se entendam. Outros buracos são a parca cobertura da educação infantil e de temas como inclusão de pessoas com deficiências e questões de gênero.
“Mas estamos refinando a cobertura. Se compararmos a educação com outras áreas sociais, a cobertura é mais qualificada e com um olhar mais voltado para políticas públicas”, conclui.
Para Mário Magalhães, repórter da sucursal do Rio de Janeiro da Folha de S.Paulo há 16 anos e desde abril ombudsman do jornal, além da dependência de fontes governamentais, a cobertura padece de dois outros problemas. Um deles, diz em linha oposta à de Ghiraldelli, é tratar a educação, dada sua interação com vários outros campos, como tema de especialistas. “O jornalismo deveria fazer da educação pauta permanente em todas as editorias. Acho que é um problema confiná-la nessa rubrica, olhando-a apenas como sistema de produção e transmissão de conhecimento formal”, defende.
O outro ponto é que o olhar sobre os temas deveria ser mais sistemático. Como exemplo, cita a experiência das cotas nas universidades. “Quase todas as matérias se baseiam em desempenho. Atende-se ao chamado das instituições que utilizam as cotas. O ideal seria que um repórter ficasse na universidade por uma semana, acompanhando a vida dos cotistas”, sugere, na mesma linha proposta por Renata Cafardo, para entender os porquês de as escolas de melhor Ideb terem alcançado tal desempenho. As limitações, em ambos os casos, talvez sejam mais de infra-estrutura dos jornais do que de qualquer outra coisa.
Como exemplos de boa cobertura, cita duas reportagens mais extensas publicadas em O Globo. A primeira mostrava, 20 anos depois, o abandono dos Cieps, lançados no primeiro governo Brizola no Rio de Janeiro, com Darcy Ribeiro à frente da Secretaria de Educação. A segunda reportava o que foi feito dos alunos que estudaram nessas instituições nessa época, procurando aferir se o modelo proposto lhes havia mesmo garantido um futuro melhor.
Para Antônio Gois, os jornais poderiam investir na busca de olhares mais particulares. “No caso do Ideb, quando o MEC divulgou os dados com embargo, como faz o IBGE, deu tempo para que cada jornal fizesse sua avaliação. Cada um viu as coisas de forma diferente. Deixou de ser a política do furo pelo furo e passou a ser a política da qualidade, do caderno mais bem elaborado e mais bem editado”, diz. Exemplos de um jornalismo que se permite alongar os tempos de apuração e multiplicar os ângulos daquilo que reporta. Talvez um estágio anterior àquele que poderia diluir os desconfortos na lida com os intelectuais e as idéias.
Equipe de jornalismo pauta apresentador
O convite ao ministro da Educação, Fernando Haddad, foi decorrência da visão de que o tema é uma prioridade do país e que o ministro é jovem, atuante e bem preparado para o exercício do cargo. Quem explica a escolha é Anne Porlan, há 13 anos responsável pelo jornalismo do Programa Jô Soares.
Segundo Anne, a pauta seguiu os trâmites normais do programa, com a realização de uma pesquisa prévia para subsidiar o apresentador. Quanto aos questionamentos feitos no correr da entrevista, Anne não se sentiu apta a tecer muitos comentários. Disse que as críticas do apresentador à progressão continuada e ao atual panorama das escolas públicas são fruto de sua preocupação com a educação. “Quando o Jô fala isso é com amor ao Brasil e tendo como referência o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, que ainda hoje é muito bom”, diz a jornalista.
Análise do orçamento ainda é pouco utilizada
Como saber se uma propalada prioridade governamental encontra, na prática, a mesma guarida que tem nos discursos? Uma das formas mais eficazes – e ainda pouco utilizada no jornalismo diário – é o acompanhamento da execução orçamentária dos diversos níveis de governo. Na cobertura educacional não é diferente, como revela o documento “Orçamento Público e Educação”, realizado pela Andi e financiado pela instituição britânica Save the Children.
Segundo o estudo, que analisou em torno de 35 mil matérias veiculadas por 61 jornais diários e 4 semanais ao longo de 2006, apenas 3% dos textos (1.140) fazem referência à questão orçamentária. Desses, 89,3% trazem algum elemento de contextualização, como relacionar o orçamento a “políticas públicas, fontes de financiamento, legislação, indicadores de resultados ou objetivos educacionais e indicadores orçamentários”, diz o relatório.
No geral, ainda são poucos os textos que fazem a relação entre orçamento e qualidade de forma mais profunda: 32,2%. Menos de 2% o fazem trazendo pontos de vista contraditórios. O item específico mais mencionado quando se fala de qualidade é o professor (em 8% das matérias). Infra-estrutura (7,3%) e insumos (4,6%) vêm a seguir. A jornada integral aparece em apenas 0,5% dos textos; o cumprimento do currículo escolar em 0,3%.
Para Raílssa Alencar Peluti, coor-denadora de Monitoramento de Mídia da Andi, além da dificuldade de lidar com números – de resto constatada na parca formação da sociedade em geral quando o assunto é matemática -, existe uma outra, adicional: a falta de unificação dos sistemas de informação.
“Não existe um sistema integrado entre os diversos poderes e as próprias instâncias executivas que tomam parte na elaboração e na execução orçamentárias. Os ministérios envolvidos não seguem o mesmo padrão de organização dessas informações, dificultando o pesquisador e o controle social desses dados”, explica Raílssa.
Além disso, os dados demoram a ser consolidados. No caso dos R$ 21,1 bilhões da dotação orçamentária do ano passado, ainda não se sabe exatamente o que e quanto efetivamente foi gasto, nem onde. Mas já é possível saber que o MEC, em 2005, aplicou apenas 51,68% do montante previsto para a educação infantil naquele ano.
“Só se fala de agressão e taxas”, diz professor
Superficial, que não ultrapassa o fato noticioso, não investiga fenômenos de maior significação educacional e explora em demasia a ocorrência da violência no ambiente escolar. É desta forma que alguns professores que se dedicam a analisar a cobertura da imprensa sobre educação vêem o resultado da maior parte do material publicado.
João Kleber de Santana Souza (foto), diretor da Emef Dr. José Pedro Leite Cordeiro, no Itaim Paulista, em São Paulo, administra o Fórum de Educação da Zona Leste (
leste@yahoogrupos.com.br
), grupo de discussão na internet em que os professores comentam o que se publica em jornais diários, revistas semanais e especializadas, entre outras atividades.
“A impressão que tenho é que não há jornalistas especializados, então a mídia só veicula notícias sobre agressão ou taxas. Fica muito nesse campo noticioso, abordado de forma superficial”, avalia Souza.
Em sua opinião, esses meios prestariam serviços mais relevantes caso trouxessem com maior constância debates sobre temas como avaliação e ciclos, que aparecem pouco. Ou se levantassem dados como a média de alunos por sala de aula no Brasil, ponto de partida para que se estudasse a interferência do fenômeno na educação.
Outra coisa que incomoda os participantes do grupo é o fato de haver pouca análise sobre o impacto local de medidas federais ou a falta de foco nos planos locais de desenvolvimento, por exemplo. “Não consegui, quando do lançamento do PDE, obter uma visão global do plano a partir das leituras que fiz na mídia. Queria saber o que havia de benefícios ou problemas, qual o impacto local”, diz o diretor.
Para Regina Oshiro, sindicalista e professora de história há 20 anos, a cobertura parece pouco próxima da realidade de sala de aula. “Tenho dúvida sobre o que leva o jornal a pautar educação. Todo mundo diz que o tema é importante, mas para quê?”, questiona. E lembra que a presença dos professores nos meios de comunicação acaba sendo muito direcionada. “Se é a secretaria que escolhe quem vai falar sobre determinado assunto, é normal que ela escolha quem lhe convém”, diz.