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Acesso e qualidade, os desafios

Com o ensino fundamental universalizado, luta é para ampliar vagas para outras etapas da educação. Conheça as decisões da Conferência Nacional sobre o tema

Publicado em 10/09/2011

por Amanda Cieglinski

Quando o assunto é o acesso à escola, o Brasil costuma comemorar os índices de atendimento atingidos nos últimos anos, que permitem dizer que o ensino fundamental já foi universalizado. A taxa de atendimento escolar das crianças de 7 a 14 anos está beirando os 98%, segundo dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas e a garantia do direito à educação às outras faixas etárias, como fica?

Foi em torno das questões ligadas ao acesso à creche, à pré-escola e ao ensino superior que giraram as discussões do eixo três da Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em Brasília no primeiro semestre. O principal objetivo do encontro era discutir propostas e ideias que pudessem subsidiar a elaboração do novo Plano Nacional de Educação (PNE), que deve entrar em vigor em 2011 (veja quadro). Os participantes do eixo três debateram a "Democratização do acesso, permanência e sucesso escolar". O documento final do encontro aponta que, apesar dos esforços para atender à demanda social por educação, a oferta ainda é restrita e nem sempre garante a aprendizagem.

"A democratização da educação não se limita ao acesso e à instituição educativa. O acesso é a porta inicial para a democratização, mas torna-se necessário também garantir que todos que ingressam na escola tenham condições de nela permanecer, com sucesso", recomenda o docu­mento final.

Para a secretária municipal de Olinda (PE), Leocádia da Hora, que coordenou as discussões desse eixo, a garantia da permanência e do sucesso passa por uma gestão democrática que enxergue as necessidades dos alunos, mas também lute por mais investimento.

"A escola enquanto instituição pública ainda é muito nova. De fato, ela está de portas abertas e tem recebido no ensino fundamental quase 100% dos que a procuram e aumentado a oferta da educação infantil. Mas isso não foi acompanhado pelos investimentos, então há um descompasso entre a procura e as condições para satisfazê-la", acredita.


Metas


Como um dos principais objetivos da Conae era discutir propostas que podem fazer parte do novo PNE, os participantes incluíram no documento final algumas metas de atendimento, especialmente para a educação infantil e o ensino superior. As propostas aprovadas na conferência não têm força de lei, mas podem servir de orientação para políticas públicas ou de indicativo para criação de legislações específicas.

Com a aprovação no ano passado da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 59, que estende a obrigatoriedade da oferta e da matrícula para crianças de 4 e 5 anos na educação infantil e jovens de 15 a 17 anos no ensino médio, os movimentos sociais temem que diminuam os esforços para ampliar o atendimento de crianças de 0 a 3 em creches. "O Brasil não pode correr o risco de deixar de priorizar o aumento de matrículas na etapa da creche em favor da expansão da pré-escola", diz o documento final.  A recomendação da Conae é que haja um aumento das vagas nas creches em 50% até 2010 e que toda a demanda seja universalizada até 2016. Os participantes esperam que a meta seja incluída no novo plano.

Para o coordenador-executivo da Rede Primeira Infância, Vital Didonet, a PEC 59 é "o caminho do retrocesso" porque vai afetar a ampliação da oferta de vagas em creches. "Essa percepção é bastante clara. A obrigatoriedade acrescentou uma imposição maior para o município atender 100% das crianças de 4 e 5 anos. Ele vai ter de correr atrás para conseguir isso, não há como não dar prioridade absoluta para essa faixa etária. Como não obrigaram a oferta em creches, vai atender quando puder", avalia.

Hoje, menos de 20% das crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas em creches. Caso a meta determinada pela Conae seja incluída no PNE ou em outra legislação, os municípios já avisaram que só conseguirão cumpri-la com a ajuda do governo federal.

E há ainda outro fator complicador: os participantes da conferência também decidiram pelo fim das creches conveniadas. Nesse modelo, muito utilizado para garantir a oferta em alguns locais, estabelecimentos de ensino privados recebem recursos públicos para atender a população. A Conae determina que essas matrículas devem ser congeladas em 2014 e que a extinção dessa modalidade de parceria ocorra até 2018, tendo de ser obrigatoriamente assegurado o atendimento da demanda diretamente na rede pública.

Crescer a oferta de vagas públicas e ao mesmo tempo extinguir a matrícula em creches conveniadas vai ser uma conta difícil de fechar, avalia Leocádia. "A mudança está corretíssima, mas é preciso dar condições. O custo para construir e manter uma creche é muito alto", afirma.


Público x privado


O atual PNE tinha como meta incluir 30% da população de 18 a 24 anos no ensino superior até 2010. Mas a taxa de atendimento ainda está entre 12% e 14%. O documento da Conae afirma que "a expansão ocorrida na última década não foi capaz de democratizar efetivamente esse nível de ensino" que continua "elitista e excludente".

Os participantes definiram novas metas de acesso que esperam ver incluídas no novo PNE. Mas o documento não determina em quanto devem crescer as matrículas, mas de que forma: prioritariamente pelo ensino superior público. Hoje, as instituições particulares respondem por 74% das matrículas desta etapa. O documento final da Conae recomenda que essa proporção seja invertida até 2020 quando as universidades públicas deverão responder por 60% das matrículas e o setor privado por 40%.

Na avaliação do presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE), Paulo Speller, a proposta é boa, mas para ampliar o ensino superior público será necessário combinar "outros elementos" além do aumento de vagas em universidades federais. Entre eles, resgatar "as boas experiências das universidades comunitárias" e ampliar a educação a distância.

"As tecnologias da informação e da comunicação estão rompendo com a dicotomia entre educação a distância e a presencial. Temos de discutir essa incorporação que pode efetivamente contribuir para um acesso maior", defende. Mas Speller lembra que ainda há muito preconceito em relação a essa modalidade, inclusive no próprio documento da conferência, que fala em "incrementar a expansão da educação superior pública presencial".

"Não é a modalidade que garante a qualidade. Você tem experiências de educação a distância maravilhosas. Com a incorporação de tecnologias dá para se discutir metas ousadas para o PNE. Mas tem de rever um pouco esse conceito", afirma.


Cotas


Ainda no ensino superior, os participantes da Conae aprovaram proposta para instituir cotas no ensino superior para estudantes de escola pública, com recorte racial. Metade das vagas de instituições públicas de ensino superior deve ser reservada para alunos que concluíram o ensino médio em escola pública. Elas deverão ser distribuídas respeitando-se a proporção de negros e indígenas da população de cada estado.

A briga para que essa proposta da Conae se torne realidade deve ser grande.O texto é bastante semelhante ao do projeto de lei sobre as cotas que tramita no Congresso Nacional e está há mais de um ano parado no Senado. Além do legislativo, o STF também está debruçado sobre o tema e deve julgar em breve uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) impetrada pelo Democratas (DEM) contra o sistema de cotas da Universidade de Brasília (UnB). Apesar da pressão dos movimentos sociais, as próprias universidades federais são contra: os reitores dizem que a ideia fere a autonomia universitária e defendem que cada uma delas deve definir quais ações afirmativas devem adotar

novo documento:

indefinição

Cinco meses depois da Conferência Nacional de Educação (Conae), cuja principal missão era traçar as bases para o novo Plano Nacional de Educação (PNE), o MEC ainda não enviou o projeto ao Congresso Nacional. O prazo está ficando apertado, já que até outubro a Casa fica parada em função das eleições e o atual documento vence em dezembro deste ano.

Membros do Conselho Nacional de Educação (CNE), que foram consultados pelo ministro Fernando Haddad para elaboração do PNE 2011-2020, dizem que o documento vai ser bem diferente do plano que está em vigor. Estão previstas entre 25 e 30 metas contra as 295 que compõem o atual plano. A ideia é que um documentoa mais enxuto permitirá um melhor acompanhamento do cumprimento – ou não – das ações previstas.

Para o coordenador-executivo da Rede Primeira Infância, Vital Didonet, a redução de todo o debate da Conae em menos de 30 metas com certeza "vai deixar alguma coisa de fora". Ele acredita que quando o projeto chegar ao Congresso começa uma nova batalha de entidades, movimentos sociais e setores da educação para incluir ou modificar o texto de acordo com suas bandeiras e interesses.

O MEC mantém o fim de agosto como prazo limite para o envio da matéria ao Congresso Nacional. Os debates devem começar pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, mas só depois do resultados das urnas.

Autor

Amanda Cieglinski


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