Legislação federal torna obrigatória no ensino médio brasileiro, a partir de 2010, a oferta da língua que tem mais de 500 milhões de falantes em todo o mundo; idioma ainda parece distante da maioria das salas de aula
Publicado em 10/09/2011
O espanhol é uma das quatro línguas mais faladas do mundo, ao lado do chinês mandarim, o inglês e o híndi, um dos idiomas oficiais da Índia. Apesar de sua posição nesse ranking variar de acordo com a fonte pesquisada, alguns fatos são incontestáveis: é o idioma mais usado nas Américas, onde é tido como o segundo em importância na atualidade, atrás apenas do inglês. Seja por critérios numéricos (mais de 500 milhões de falantes mundo afora, atrás apenas do mandarim) ou mercadológicos (é primeira língua mais exigida pelas empresas nos EUA e a segunda aqui no Brasil, segundo levantamento da Manager Assessoria), o espanhol ganha importância crescente.
A proliferação da língua no território nacional é decorrência dos acordos diplomáticos do Mercosul. As fronteiras com países que falam o idioma somam mais de 15 mil quilômetros e incluem antigos parceiros comerciais como Argentina, Paraguai, Venezuela, entre outros. As empresas espanholas no Brasil – como Telefônica e Santander, só para citar duas das maiores – também têm interesse em promover o idioma. Além, é claro, das diversas possibilidades culturais que o domínio do espanhol proporcionaria aos brasileiros.
Atento a esse grau de relevância da língua no país e no mundo, o governo federal aprovou em 2005 a Lei 11.161 – popularmente chamada de "Lei do Espanhol" -, que torna obrigatória a oferta, por parte das escolas, do idioma no ensino médio e facultativa no ensino fundamental. Também é facultativa aos alunos a opção de cursar a disciplina. A partir da aprovação da Lei, os estados teriam prazo de cinco anos para levar a cabo a oferta obrigatória. Ou seja, já no ano que vem todas as escolas de ensino médio (públicas e privadas) devem oferecer espanhol aos seus alunos.
Onde estão os docentes?
Mas, quase ao final do prazo estipulado, ainda há redes que encontram problemas no processo de apropriação da língua. Enquanto em alguns estados o processo de implantação está adiantado, outros ainda penam para alcançá-lo – algo natural num país com dimensões continentais. O próprio Ministério da Educação admite que será impossível a implantação em 100% das escolas. "Não sei dizer qual estado está com o processo mais avançado, pois os tempos e as necessidades de cada um são bastante diferentes. Há sinais de dificuldade em relação às questões de recursos humanos, necessidade de contratação, mas eles estão se planejando", diz Maria Eveline Villar Queiroz, coordenadora-geral de ensino médio da Secretaria de Educação Básica do MEC.
O trabalho de implantação na rede pública não é fácil: além do déficit de professores, há a questão da escolha e da compra do material didático e do planejamento da grade curricular. Segundo a Lei, "a oferta da língua espanhola pelas redes públicas de ensino deverá ser feita no horário regular de aula dos alunos". Mas já há estados que admitem que algumas escolas poderão oferecer o curso no contraturno, desde que haja o consentimento de alunos interessados e disponibilidade de professores.
O déficit de professores de espanhol também é grande: levantamento do Ministério da Educação feito em 2005 apontava que seria preciso formar em torno de 20 mil professores. Hoje, o número é menor, mas o Ministério não soube precisar exatamente o quanto. Em contrapartida, dados oficiais dão conta de que no Brasil a oferta total nos estados é de 754 mil matrículas em espanhol no ensino médio. Em Santa Catarina, por exemplo, de acordo com a Secretaria Estadual da Educação, a língua espanhola é ofertada em 101 escolas para, aproximadamente, 23 mil alunos das séries finais do ensino fundamental e do ensino médio. No Rio Grande do Sul, cerca de metade das 900 escolas estaduais de ensino médio já oferecem o espanhol, atesta Jane Graeff, coordenadora de ensino médio da Secretaria Estadual da Educação. O sucesso da implantação deve-se ao tempo de maturação do projeto, iniciado há alguns anos.
"Temos convênio com a Embaixada da Espanha desde 2005. Este ano vai ter a quinta edição de um curso de atualização para professores de espanhol", explica Jane. Ainda assim, ela reconhece falhas: "Existem atualmente, não só nessa disciplina, mas em outras, eventuais carências de professores. Pra suprir vagas, foram abertas contratações temporárias em lugares específicos".
Informações desencontradas
No Estado de São Paulo, a situação está complicada. A assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Educação não soube dizer se o idioma já é oferecido no ensino médio. Mas confirmou que no ano que vem – data limite – ele constará nos currículos. Questionada pela reportagem, a assessoria também não soube dizer se haverá abertura de concurso para contratação de professores e nem como a disciplina será inserida na grade. Gustavo Garcia, professor de espanhol, é presidente da Associação de Professores de Espanhol de São Paulo (Apeesp), entidade civil que reúne mais de 700 profissionais das redes pública e privada. Ele disse estar "muito preocupado" com o processo de implantação do espanhol no ensino médio estadual. Gustavo informou que a Apeesp pediu oficialmente uma reunião com a Secretaria para participar e colaborar com os trabalhos, mas não foram sequer recebidos. "Até agora não sabemos de nenhuma providência concreta. Nosso medo é que tudo seja feito de última hora, com contratações de forma precária e um risco tremendo para os alunos."
O Conselho Estadual de Educação de São Paulo, na deliberação 77/2008, já incorporou a "Lei do Espanhol", garantindo legalmente a oferta obrigatória da disciplina. O que não significa que a entidade a tenha regulamentado, atribuição prevista pelo artigo quinto da "Lei do Espanhol", do governo federal: os Conselhos Estaduais de Educação e do Distrito Federal emitirão as normas necessárias à execução desta Lei, de acordo com as condições e peculiaridades de cada unidade federada. Quando questionado, o vice-presidente do Conselho, João Cardoso Palma Filho, disse: "A Secretaria da Educação que tem de ver isso. Por exemplo, quantas aulas vai haver por semana, se vai ter em todas as séries do ensino médio".
Para a professora de espanhol do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Fernanda Dos Santos Castelano Rodrigues, os governos estaduais estão se mexendo pouco para realmente implementar o espanhol. "Tem uma coisa que assusta. O governo do Estado de São Paulo, por exemplo, não divulgou nenhuma notícia de concurso público para a contratação dos professores de espanhol. O que eu sei é que a Secretaria de Educação do Estado desenvolve, desde 2006, um programa de formação de professores em convênio com o Instituto Cervantes, Grupo Universia e Banco Santander." O programa citado é o Oye espanhol, um curso on-line gratuito de 600 horas/aula para os professores da rede. Seria prioritariamente para professores de língua portuguesa ou língua inglesa, mas também é aberto para docentes de quaisquer outras disciplinas. No final, os professores fariam uma prova e receberiam um certificado que lhes permitiria dar aulas de espanhol na rede pública. Mas, após críticas e pressão, o governo voltou atrás, informando que o Oye espanhol não formaria e nem habilitaria professores para a rede pública.
Para Fernanda, a ideia do governo era aproveitar professores concursados que poderiam ampliar sua carga horária na rede. "O projeto foi muito criticado pelas universidades estaduais e pela própria Universidade Federal de São Carlos. Um projeto de formação on-line de 600 horas nos pareceu um acinte, já que os cursos de graduação de formação de professores em letras precisam ter aproximadamente 3.000 horas/aula presenciais", diz.
Há 20 anos atuando como professora de espanhol na Unesp de Assis, no interior paulista, a chilena Ester Myriam Rojas Osório lamenta que no Brasil, país "líder político na América Latina", o ensino de espanhol esteja tão atrasado. "Como disciplina, há em poucas escolas públicas. As escolas particulares saíram na frente. Parece-me que falta mais empenho na implantação do espanhol na escola pública." Em Assis, há espanhol somente no ensino fundamental de algumas escolas municipais e no único Centro de Línguas estadual da cidade, de cerca de 100 mil habitantes.
Com que material?
Outro ponto polêmico diz respeito ao material didático. De acordo com os professores ouvidos, não há no Estado de São Paulo nenhum movimento indicando como serão feitas a escolha e a distribuição do material. "Desde o ano passado, eles têm feito aquelas apostilas para as disciplinas. E não se tem realmente nenhuma notícia de que isso esteja sendo pensado e preparado para a língua espanhola. É como se a inserção não fosse obrigatória a partir do ano que vem", diz Fernanda.
No nível federal, o Ministério da Educação já começou a promover algumas ações. Ainda que com atraso, iniciou-se a avaliação do material didático de espanhol. Além disso, as orientações curriculares já foram elaboradas. Há previsão de que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) vá efetuar compra de livro didático em língua espanhola para o ensino médio. "Primeiro há a etapa de seleção e a análise dos livros didáticos, e depois a licitação e compra. É um processo que demora cerca de três anos para se completar. A partir de 2012 vamos entregar os livros de língua estrangeira moderna, inclusive o espanhol, para os alunos do ensino médio", relata Maria Eveline, do Ministério da Educação. Além disso, o MEC assinou, no início de agosto, uma carta de intenção com o Instituto Cervantes, que prevê o aperfeiçoamento de professores e alunos de espanhol por meio das ferramentas de ensino a distancia, oferecidas pelo próprio Instituto.
O Ministério e alguns estados – Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraná e outros – mantêm uma articulação com a embaixada da Espanha ou com outros países onde se fala espanhol, como Argentina e Colômbia. Há programas federais de intercâmbio entre o Brasil e esses países, além de um projeto da embaixada da Espanha que fomenta a formação de professores através da instalação de centros de recursos didáticos. Brasília, Rio de Janeiro, Belém, Cuiabá e Salvador já possuem os Centros de Recursos Didáticos de Espanhol (CRDE). Os espaços possuem acervo bibliográfico, videoteca e estrutura para a realização de cursos para formação continuada dos professores.
A experiência das particulares |
No ensino privado, a procura vem aumentando ao longo dos anos. Débora Schisler, diretora da Seven Idiomas, escola que há mais de 15 anos oferece aulas de espanhol, conta que de 2008 para 2009 a procura aumentou 38% nas unidades e 32% nas turmas corporativas (salas de aula dentro das empresas). "Antes, o pessoal fazia espanhol depois de terminar o curso de inglês. Hoje, a gente já vê um movimento diferente, vê gente fazendo o espanhol como segunda língua", relata Débora. Apesar disso, o interesse, segundo ela, deve-se principalmente à exigência do mercado de trabalho. "O espanhol teve um crescimento notável no ano passado, mas por necessidade das empresas." A maioria dos alunos da Seven já está inserida no mercado de trabalho e estuda o espanhol por exigência profissional ou para galgar melhores postos. "O carro-chefe continua sendo o inglês. Os alunos que são de empresas fazem o espanhol porque é mais fácil de aprender do que o inglês." Uma curiosidade é que, segundo a diretora, a Seven e outras escolas de idiomas que ensinam espanhol acharam que, depois da consolidação do Mercosul – após a segunda metade da década de 1990 -, a procura iria aumentar. Mas o fato não se concretizou. "Todo o setor pensou que o espanhol fosse crescer no Brasil, algumas escolas fizeram até investimentos contando com isso, mas não foi o que aconteceu." A experiência ilustra que foi preciso mais esforço político por parte do governo para a disseminação do espanhol, uma língua importante para os brasileiros. No Instituto Cervantes, escola oficial do governo da Espanha, não é diferente. O Brasil já é o país com mais unidades e alunos do mundo. São nove unidades em nove capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belo Horizonte e Florianópolis), sendo que as três últimas unidades foram inauguradas ano passado – comprovando o aumento da procura. O instituto atende cerca de 120 mil alunos anualmente, contando as diferentes modalidades de cursos: regulares, intensivos minicursos, atualização etc. Pedro Benítez Pérez, diretor acadêmico do Instituto Cervantes de São Paulo, afirma que "o número de estudantes é cada vez maior". (…) "Alunos jovens e adultos, a procura cresce em todas as faixas etárias." Em sua avaliação, ele também destaca "as possibilidades de trabalho com o espanhol" como o elemento motivador que leva as pessoas a aprenderem o idioma. "Não só no Brasil, mas no mundo todo tem crescido a procura por cursos de espanhol, como no Japão, China e África. No Brasil faz muito sentido aprender o espanhol, pois o país tem sete fronteiras com países que falam essa língua", conclui Pérez. O Instituto firmou, no ano passado, um convênio com a Fundação Memorial da América Latina para ensinar espanhol a distância. Ainda em caráter de experimentação para aperfeiçoamento, os funcionários do Memorial são os primeiros alunos a participar do curso. Após o período de testes, o curso será aberto para o público. |
Centros de Línguas |
No Paraná e em São Paulo há experiências importantes de oferta de línguas estrangeiras modernas. Nesses Centros de Línguas (CEL – Centro de Línguas, em São Paulo; e Celem – Centros de Língua Estrangeira Moderna, no Paraná) os alunos têm a oportunidade de aprender outras línguas estrangeiras além do inglês, que já é oferecido regularmente na grade curricular. A proposta é similar às das escolas particulares de idiomas. Como os alunos que estudam nos Centros Língua (CLs) frequentam as aulas exclusivamente pelo interesse, têm muito mais motivação parar aprender. Em São Paulo, os primeiros CLs datam de 1988. Na década de 90 somavam 50 unidades espalhadas pelo estado. Hoje são 84 unidades (totalizando oferta de 10 mil vagas); 35 na Grande São Paulo e 49 no interior, em municípios com mais de 50 mil habitantes. Arlete Lima, da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, área que cuida dos CLs, explica que há cursos gratuitos de espanhol, francês, alemão, italiano e japonês. Mas nem todas as línguas são oferecidas em todas as unidades: a oferta varia de acordo com a demanda. Eles têm duração de seis semestres e são divididos em dois níveis. Para cada semestre há uma carga horária de 4 horas/aula semanais; divididas em duas aulas por semana, ou uma aula aos sábados. A partir da 6ª série, todos os alunos da rede estadual de ensino (regular, supletivo ou técnico) podem participar, lembrando que o estudante não precisa estar matriculado na escola que oferece o curso. "Os Centros de Línguas são um dos pilares do sistema estadual de ensino. O trabalho que eles desenvolvem é de nível excelente. A gente recebe alunos aqui na Federal de São Carlos, e eu recebia também alunos dos CLs na USP, e todos eles despertaram para o espanhol de uma maneira muito positiva", conta Fernanda Castelano Rodrigues, que começou a lecionar espanhol em um CL do Brás, em São Paulo. Ela se recorda da experiência com entusiasmo: "Era um CL que funcionava muito bem. Inclusive quando você conversa com as pessoas ou visita um CL, tem a impressão de que eles não fazem parte desse sistema tão sucateado que é o sistema estadual de ensino". No Paraná, há 40 mil vagas distribuídas em 300 CLs. Lá, além de alunos da rede pública, pessoas da comunidade, professores e funcionários públicos também podem cursar alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, japonês e mandarim. Assim como em São Paulo, os cursos são ministrados em duas aulas semanais de duas horas cada, e têm duração de dois anos. Com exceção do mandarim, que devido à sua complexidade dura três anos. "O espanhol é o idioma mais procurado, temos uns 20 mil alunos", diz Mary Lane Hutner, do Departamento de Educação Básica da Secretaria. De acordo com os especialistas consultados, os CLs não são conflitantes com as aulas regulares de inglês e espanhol da rede pública, mas complementares. "Há muitos alunos, por exemplo, que estudam inglês nas escolas e também nas escolas particulares de idiomas. São cursos diferentes, com objetivos diferentes. Os CLs não têm por que pensar no vestibular, por exemplo. A proposta é completamente diferente", resume Fernanda Castelano Rodrigues. |