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A avaliação como processo de qualificação

O crescente interesse pela avaliação como instrumento de gestão em todos os níveis de ensino tem nos desafiado a entender as razões das resistências de vários matizes que se apresentam. Sabe-se que os processos de avaliação externa propostos pelas políticas públicas têm um viés regulatório […]

Publicado em 10/09/2011

por Mara Regina Lemes De Sordi

O crescente interesse pela avaliação como instrumento de gestão em todos os níveis de ensino tem nos desafiado a entender as razões das resistências de vários matizes que se apresentam. Sabe-se que os processos de avaliação externa propostos pelas políticas públicas têm um viés regulatório e estão formatados numa perspectiva de medição de resultados.

É preciso admitir que avaliar supõe problematização e reflexão sobre os dados que gerem decisões relativas ao futuro do projeto pedagógico, bem como apoio ao grupo de atores envolvidos no desenvolvimento de ações que viabilizem esse futuro na escola. Logo, avaliar é mais que medir.  Assim, faz sentido desenvolver alternativas que permitam construir uma cultura de avaliação emancipatória que assista os atores da escola no bom uso dos dados de avaliação, visando uma reorganização do trabalho pedagógico que executam.

A defesa de padrões de qualidade que levem em conta uma formação capaz de transformação qualitativa de nossa sociedade, recuperando valores e princípios éticos, hoje mais do que nunca deve ser o eixo norteador de opções educacionais críticas devidamente ratificadas pelos referenciais de avaliação. Evidentemente, essa dimensão da qualidade não é captada quando se opta por avaliar a escola por meio apenas do desempenho dos estudantes em provas.

 A Secretaria de Educação de Campinas há anos busca desenvolver um conjunto de ações, assessorada por pesquisadores da Faculdade de Educação da Unicamp, visando a implantação de processos de avaliação institucional que tomem a escola como unidade de referência. Nesse processo, as forças existentes na escola (atores internos e externos) dialogam e deliberam sobre a concepção de qualidade que querem construir e assumem responsabilidades com o projeto pedagógico por meio da formulação de um Pacto de Qualidade Negociado, o que inclui ações de monitoramento processual. 

Embasada nas reflexões que já vinha fazendo com as equipes gestoras, a rede de Campinas dá início formalmente em 2007 à deflagração do processo de avaliação institucional, dando passo importante na direção de um projeto educativo que leve em conta as contradições sociais que tornam complexas as responsabilidades que deve assumir no âmbito da educação pública. Avança, igualmente, quando assume a legitimidade de discutir com a comunidade de cada escola o trabalho pedagógico que rea­liza e as condições que determinam seus êxitos e claudicações.

O modelo avaliativo formatado pelo Grupo de Avaliação da Secretaria Municipal de Educação de Campinas pautou-se nos princípios da legitimidade política assegurados pela participação dos diferentes segmentos nas diferentes fases do projeto (concepção/operacionalização/decisão). A metodologia foi solicitar a cada Conselho de Escola indicação de membros para compor a Comissão Própria de Avaliação (CPA), cuja incumbência é  orquestrar a formulação de um plano de avaliação, além de comprometer-se com a sensibilização da comunidade escolar e a socialização de todo andamento do processo.

A CPA é coordenada pelo orientador pedagógico (OP) de cada escola, a quem compete sustentar os trabalhos do ponto de vista teórico-metodológico. Esse OP, por sua vez, recebe apoio sistemático do docente da universidade para realizar seu trabalho de articulação dos diferentes atores envolvidos no processo. Cada escola, a partir dos trabalhos da CPA, exerce sua autonomia na formulação do plano de avaliação, cabendo-lhe entregar ao poder central documento complementar ao projeto pedagógico que inclua os principais problemas que a escola define como prioridades para o ano, acompanhado de explicitação das metas, atores envolvidos, prazos de realização e indicadores concretos de avanços. Baseada nas metas propostas pela própria escola com referência ao projeto pedagógico, a equipe de supervisão da rede implementa o diálogo de avaliação da eficácia da escola. O tom desse diálogo rejeita, por princípio, o viés da avaliação classificatória, ranqueadora e descontextualizada, bem como os equívocos de políticas orientadas pela premiação/punição.

A listagem dos problemas a resolver implica decisão do grupo sobre o caminho a seguir e exige priorização de ações. Torna visíveis os compromissos com a busca da solução e quem são os destinatários dessas demandas inscritas num determinado cronograma que, ao serem tornadas públicas, confirmam a adesão ao princípio da participação democrática. Desta feita, a participação do conjunto dos atores da escola não se restringe a fornecer dados para o grupo que coordena a ação avaliativa externa. Assumem seu protagonismo na qualificação da escola que lhes pertence. A avaliação pode, assim, tornar-se instrumento útil para a gestão da escola, orientando tanto o diálogo com o nível central como com a comunidade local, objetivando o monitoramento do pacto de "qualidade negociada".

Uma comunidade que participa intensamente do processo de avaliação institucional desenvolve repertório para entender os dados, explicar seus significados à luz das condições existentes na escola e, finalmente, para posicionar-se sobre o plano de ação a ser seguido, designando responsabilidades para cada conjunto de atores. O grupo reaprende o prazer de pertencer a um coletivo e perceber-se como tal, sujeitos históricos capazes de exercer alguma influência na realidade escolar, fortalecidos por um projeto comum.

Entendemos que uma rede de colaboração entre as escolas possibilitará  trocas envolvendo erros e acertos do processo avaliativo tornando a todos mais sábios ante suas lições. Esse espírito de rede colaborativa quebra o viés de competição entre as escolas e institui uma relação mais solidária entre elas, o que as conduzirá a um processo de auto-organização indispensável para construir contraditoriamente um sistema educacional que seja regido pelos interesses legítimos das pessoas da sociedade.

A aposta que fazemos é que esse formato avaliativo, em permanente construção, auxiliará a reacender nos gestores e professores da rede municipal a confiança em seu papel social e o compromisso com a educação pública, contribuindo para que as crianças possam ter acesso a uma escola de qualidade.



*Mara Regina Lemes De Sordi é doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e leciona na Faculdade de Educação da mesma instituição. Também assessora o grupo de Avaliação Institucional da SME de Campinas


SAIBA MAIS

A escola e a desigualdade, de Juan Casassus, Editora Unesco, 2007 (2ª edição)
Avaliação – Políticas e práticas, de Benigna Maria VillasBoas, Editora Papirus, 2002
Questões de avaliação educacional, de Luiz Carlos de Freitas, Editora Komedi, 2003
O futuro das políticas de responsabilização educacional no Bra­sil, estudo de Nigel Brooke:
www.scielo.br/pdf/cp/v36n128/v36n128a06.pdf

Autor

Mara Regina Lemes De Sordi


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